Em 1970, a televisão brasileira transmitiu pela primeira vez uma partida de futebol em cores. Na época, as partidas eram gravadas e editadas antes de chegar ao público. Hoje, o avanço da tecnologia e das plataformas de streaming mudou esse cenário por completo. Agora, o público pode acompanhar esportes ao vivo, interagir em tempo real e assistir de qualquer lugar. Um dos principais representantes dessa transformação é a Cazé TV, que já soma 16 milhões de inscritos somente em seu canal no Youtube.
A Cazé TV foi criada a partir da parceria entre a Live Mode, uma empresa brasileira de mídia e marketing esportivo, e o youtuber e streamer Casimiro Miguel. Desde 1970, a Rede Globo mantinha um contrato exclusivo com a FIFA para exibir jogos de futebol no Brasil. No entanto, em 2022, diante da crise provocada pela pandemia de Covid-19, a Globo abriu mão dessa exclusividade, permitindo que a Cazé TV também transmitisse a Copa do Mundo do Catar. Essa mudança foi decisiva, consolidando a Cazé TV como uma alternativa acessível que agora compete diretamente com as emissoras tradicionais.
Entre julho e agosto de 2024, a Cazé TV transmitiu quase mil horas dos Jogos Olímpicos, atingindo um pico de audiência de 4 milhões de visualizações simultâneas. Esse feito destaca a acessibilidade das transmissões, que podem ser acompanhadas de forma gratuita e de qualquer lugar, democratizando o acesso a um evento de grande relevância global.
O repórter da emissora, Geovanni Henrique, diz que “a Cazé TV democratizou o acesso ao disponibilizar transmissões como as das Olimpíadas para qualquer pessoa com internet. É claro que isso não é apenas uma atitude altruísta, mas parte de uma estratégia financeira: ao oferecer conteúdo gratuito, o alcance aumenta significativamente, atraindo patrocinadores interessados nesse público.”
Um exemplo notável da transformação nas transmissões esportivas é o Campeonato Paulista, que, em 2023, passou a ser transmitido pelo YouTube através da Cazé TV. Essa mudança resultou em um aumento significativo na visibilidade do torneio em comparação aos anos anteriores, quando a Rede Globo detinha os direitos de imagem.
Historicamente, a Globo exibia apenas os jogos mais relevantes do Paulistão na TV aberta, enquanto as demais partidas eram disponibilizadas apenas na TV fechada, pelo canal Premiere. No entanto, com o término do contrato da emissora com a Federação Paulista de Futebol (FPF) em 2023, a Cazé TV firmou uma parceria diretamente com os organizadores da competição. Essa decisão reflete o crescente interesse e a ascensão das plataformas digitais como meios de transmissão.
Segundo João Cristóvão, assessor de imprensa do Botafogo (SP), “quando o Paulistão deixou a Globo e começou a ter parceria com essas plataformas digitais, o número de pessoas que passaram a acompanhar o campeonato aumentou consideravelmente. Com isso, a competição conseguiu atrair mais patrocinadores e ganhar maior visibilidade, o que também possibilitou a venda do produto a um preço mais elevado.”
LINGUAGEM DESCONTRAÍDA APROXIMA O PÚBLICO
Após o aumento da audiência, a Cazé TV adaptou sua abordagem. Com uma equipe de 78 profissionais durante as Olimpíadas, a emissora não apenas elevou a qualidade da transmissão, mas também atraiu um público jovem: 82% dos espectadores têm menos de 44 anos. Cristóvão explica que o público jovem, que é fã do carioca Casimiro, tem ajudado a aumentar a divulgação do Botafogo de Ribeirão Preto, inclusive em outros estados, especialmente no Rio de Janeiro, onde ele tem uma grande base de fãs. “Acompanhamos nos comentários como a galera fala do clube de forma mais carinhosa, especialmente quando jogamos contra grandes times”, relata o assessor de imprensa.
Além do público jovem, a Cazé TV se destaca pelo estilo descontraído, que cria uma relação mais próxima entre o público e os narradores, repórteres e comentaristas. No início, essa linguagem gerou críticas, e, com o aumento de espectadores, a Cazé TV teve que ajustar e refinar sua comunicação. Para o especialista em mídias digitais e colunista de futebol no UOL, Rafael Reis, “a Cazé TV traz esse estilo inovador para suas transmissões regulares. Contudo, desde o Pan-Americano de 2023, quando foi criticada por exagerar no tom, a emissora ajustou sua abordagem, buscando um equilíbrio nas suas transmissões mais recentes, como nas Olimpíadas e na Eurocopa, mantendo sua identidade de entretenimento, mas aproximando-se de um estilo mais convencional para agradar a diferentes perfis de público.”
Além desse ajuste, outro reflexo da mudança foi a busca por diversificar seus formatos. Com o aumento da adesão às plataformas digitais, a Cazé TV tem explorado novas formas de conteúdo, incluindo programas especiais, transmissões interativas e a criação de quadros que oferecem análises mais aprofundadas e técnicas sobre os eventos esportivos com o objetivo de expandir seu alcance e atender a uma audiência mais ampla. Há quem veja essa abordagem como um diferencial no jornalismo esportivo, porém, Reis enxerga como uma adaptação de práticas já consolidadas. “Embora a emissora tenha trazido uma inovação ao mesclar esporte com entretenimento, esse tipo de abordagem já está presente no jornalismo esportivo há décadas.”
O jornalista também destaca um dos diferenciais da Cazé TV, a acessibilidade. “A verdadeira revolução da Cazé TV está na plataforma em que transmite: o YouTube. Diferente de outras emissoras que utilizam plataformas fechadas ou específicas para programas especiais, a Cazé utiliza uma plataforma aberta, gratuita e de fácil acesso, que possibilita uma interação direta com o público jovem”, explica Reis.
Embora as transmissões online ocupem uma posição cada vez mais dominante, o fim da televisão tradicional ainda está longe. O meio segue se reinventando e coexistindo com o digital, adaptando-se à nova linguagem e à realidade emergente, preservando sua relevância no cenário atual e procurando oferecer uma experiência mais imersiva e adaptada às preferências do público. “Sim, é o futuro. As transmissões nas plataformas digitais têm tido muitas visualizações, mas a TV não vai acabar. Ela sempre vai ter seu espaço, como na época em que a TV surgiu e falaram que o rádio iria acabar, e o rádio continua…É algo que veio para complementar e não para substituir” , finaliza João Cristóvão.