Arte de Rua

Cena de rua: a arte que resiste nos fluxos e espaços de Ribeirão Preto

Com inconformidades encontradas dentro de um único universo - o de produzir artesanatos e performances artísticas na rua, o calçadão do centro de Ribeirão Preto é o ambiente de trabalho e palco de manifestações culturais para os artistas da cidade

Beatriz Teclo e Diana Japur
28 de novembro de 2024
Max Bregonde, para viver seu sonho, há 15 anos trocou o trabalho na roça, no estado do Paraná, pelo violão nas ruas de Ribeirão Preto.

Imagine o seguinte cenário: o sinal fecha e enquanto você confere as notificações no celular, um malabarista se posiciona no centro do cruzamento. Não é o típico artista que se vê nos de um palco de teatro, mas ali, entre motos e buzinas, ele transforma o asfalto em cena. Ribeirão Preto – como outras cidades – é palco de uma expressão artística que resiste: a arte de rua.

Além dos semáforos, há artistas que fazem do calçadão o palco. Um deles, Max Bregonde, para viver seu sonho, há 15 anos trocou o trabalho na roça, no estado do Paraná, pelo violão nas ruas do centro de Ribeirão Preto. Antes disso, também já foi servente, fabricante de balas na Bala Chita e vendedor de CDs. Mas, é tocando na rua que ele se encontrou. 

“O calor humano é bom, né? As pessoas verem seu trabalho e incentivar… Tipo, elogiar. Tem as críticas também. Mas é mais elogio do que crítica. E isso é bom. É bom estar no meio do povo, sabe? É gostoso.” 

Para Max,a liberdade artística é um diferencial das ruas. Ele explica.

“O bar exige repertório, né? E às vezes no repertório a gente não tá atualizado. E aí, as pessoas que estão lá criticam a gente por causa do repertório. Mas aqui a gente faz mais o repertório que a gente gosta, que a gente quer.”

A história da arte de rua se mistura com o próprio surgimento das cidades. Ainda no Renascimento, a Commedia dell’Arte  criou uma base para o teatro popular e no século XIX, o circo moderno trouxe para as ruas atos como malabarismo e contorcionismo. Mas, foram os movimentos contraculturais das décadas de 1970 e 1980 que começaram a questionar os espaços tradicionais da arte. 

A performance a céu aberto não é novidade no Brasil, mas é alvo de constantes debates. Como apontado em da pesquisadora Karla Rodrigues da Associação de Sociologia Aplicada, o trabalho dos artistas de rua muitas vezes é marginalizado, visto como algo menor ou até mesmo como “um incômodo urbano”. 

“Eu acredito que existe uma disparidade: tem um universo voltado para uma arte mais glamourizada, mais elitizada e uma galera que também faz arte, que também faz poesia, também expõe artes. Aqui mesmo nessa praça tem o Slam Da Cana, com batalhas de rima, também espalhadas pela cidade. Ao mesmo tempo, nessa mesma praça, ali dentro do teatro, acontecem as maiores peças de óperas e de artes, que também é outro universo”, aponta Matheus Abner, musicista de Ribeirão Preto. 

A sobrevivência no asfalto é um desafio físico e emocional. Além das intempéries do clima, os artistas enfrentam o preconceito de quem não entende que ali também há trabalho, talento e propósito. 

“As coisas que fogem à norma, ao ideal do que é ‘cultura’, são marginalizadas”, reforça Matheus, ao comentar sobre como o financiamento cultural muitas vezes exclui iniciativas que carregam mensagens de revolta ou expressão popular. Para ele, essa segregação reflete interesses de classes. “O Slam da Cana não tá lá dentro do teatro. Por que? Porque eles vão falar coisas que não são interessantes para quem detém os recursos.”

 “As pessoas veem assim, com certo preconceito, porque a gente tá cantando na rua. Acham que a gente tá pedindo esmola, né? Tá pedindo esmola, tá fazendo barulho, atrapalhando as pessoas. Mas eu não vejo assim. Eu vejo como uma arte”, explica Max, que possui carteira profissional de músico, mas ainda enfrenta desafios no reconhecimento de seu trabalho.

A questão do apoio institucional também é um desafio constante. “A Lei Rouanet está aí e não ajuda quem precisa. A Lei Rouanet ajuda os artistas que já são consagrados, que já têm uma estrutura, que já têm uma divulgação. Nós não”, critica Max Bregonde, que já tentou, sem sucesso, acessar editais como o Aldir Blanc e Paulo Gustavo.

Com inconformidades encontradas dentro de um único universo – o de produzir artesanatos e performances artísticas na rua, Max Bregonte, ao relatar sua história, esboça gratidão e realização ao trabalhar como artista de rua no calçadão de Ribeirão Preto. Entretanto, mesmo com boas vestimentas, instrumento musical, caixa de som e equipamentos, o depoimento de Max reforça que ainda existem disparidades sociais na escolha em ser artista de rua e que há preconceitos que permeiam sua realidade e a de demais colegas que partilham a rua como ambiente de trabalho.