A relação direta entre a prostituição e as plataformas de conteúdo explícito refletem em transformações sociais trazidas pela internet. Originalmente, a prostituição ocorreu nas ruas, em bordéis e bares, onde a interação entre a profissional do sexo e o cliente poderia ser vulnerável e insegura.
Com a ascensão tecnológica, as ferramentas dessa profissão foram expandindo e outras formas de trabalho surgiram. O Only Fans, por exemplo, é conhecido por ser uma rede social que permite aos criadores de conteúdo cobrar uma assinatura mensal para poder acompanhá-los. Após pagar a taxa de assinatura, o usuário tem acesso ao conteúdo exclusivo do criador, normalmente, usuários divulgam fotos e vídeos seminus e nus. Assim, controlando a própria imagem e definindo suas condições de trabalho. Essa plataforma oferece um espaço onde as trabalhadoras do sexo podem se conectar com seus clientes sem a necessidade de um encontro físico, reduzindo alguns dos riscos associados à prostituição nas ruas.
Maria Heloiza, de 19 anos, mergulhou nesse universo em busca de liberdade financeira quando ainda era menor de idade. Devido a problemas com a família, ela não viu outra alternativa a não ser a prostituição para ajudar na casa da avó.
A jovem conta que iniciou a carreira como profissional do sexo em uma boate, porém não se adaptou à forma de trabalho oferecida pelo cafetão e não recebia boa parte do dinheiro que era cobrado dos clientes. Desse modo, ela passou a atuar marcando encontros virtualmente através da plataforma Fatal Model. Através da prostituição, Maria viu a oportunidade de se conectar com as pessoas e contar a sua história. Hoje, ela conta com mais de 68 mil seguidores no Tik Tok, onde compartilha sua história.
“Eu me machuquei em um programa, eu não estava conseguindo trabalhar, e o programa ocupa a minha cabeça, sabe? […] Eu não conseguia atender, então eu estava vendo muitos clientes me chamando, eu perdendo dinheiro. E aí eu pensei: ‘eu preciso ocupar minha cabeça. Vou gravar um vídeo para o TikTok’. Aí foi quando eu comecei a gravar “, alega a jovem.
Apesar das redes sociais contribuirem para atenuar a discriminação do trabalho, elas têm elevado ainda mais a glamourização da profissão sexual, promovendo uma imagem de sucesso e liberdade financeira. Profissionais do sexo compartilham dicas de beleza e rotinas luxuosas, criando uma impressão lúdica que atrai seguidores e incentiva o público de todo o mundo a ingressar na prostituição.
Sobre a romantização da profissão, Maria Heloiza pondera: “Você tem que fazer coisas que você não quer, então tipo assim, muitas pessoas influenciam e eu não apoio isso, porque elas ficam romantizando, mostrando só a parte boa e não é só a parte boa que vai ficar. A parte ruim é muito grande nisso”.
Embora essa onda viral de conteúdos gere a sensação de ostentação, o lucro de uma criadora anônima é inferior ao de figuras públicas. Naila Camile, de 21 anos, é uma das mulheres que decidiu explorar o mundo de conteúdo adulto no digital.
“O site tem muitos preços, tem desde um preço mais barato até um preço mais caro. E os mais caros são de uma mulher ou outra. E sempre de famosa vai ser muito barato, R$15,99, R$19,90, R$25,00 e R$20,00. Porque elas ganham em quantidade”, conta a influenciadora digital.
A influencer utiliza o Instagram como ferramenta para atrair assinantes em sua conta do Privacy.
TRANSFORMAÇÕES E PERSPECTIVAS DE FUTURO
A transformação digital e a reinvenção do marketing de conteúdo possibilitou mulheres de saírem da prostituição de ruas e migrar para o digital. Yris Star é uma mulher transexual, de 21 anos, que começou a vida profissional na adolescência como maquiadora na cidade de Lins, interior de São Paulo.
A jovem teve seu primeiro contato com o mundo da prostituição ainda menor de idade, antes mesmo de sua transição de gênero. Quando maquiadora, ela criou amizades com travestis e foi uma dessas amigas que a incentivou a iniciar na profissão.
“Ela falou assim: ‘vamos ali comigo rapidinho’ e nem eu sabia para onde que eu ia, mas ela pega eu e um bofe e leva para dentro do carro dela, o primeiro programa que eu fiz na minha vida foi com ela. Ela me jogou nesse mundão. Não lembro nem quantos anos eu tinha, não era maior de idade ainda.” afirma Yris.
Yris atualmente vive na Espanha, onde tem uma relação estável com um espanhol que assinava seu conteúdo em plataformas adultas. Desde o início da união, Yris não faz mais programa. “Mas eu parei de trabalhar com a prostituição. Graças a Deus. Até porque, aqui não vale a pena. Eles pagam muito pouco e eu peguei nojo, porque eu tive relações sexuais com muita gente.”
Hoje, Yris é influenciadora digital pela Fatal Model, onde divulga a plataforma em suas redes sociais. Um dos seus planos além de criar conteúdo explícito digital, é se especializar na área de maquiagem e voltar a atuar como maquiadora.
“Eu não acredito que as pessoas só tem vocação pra fazer sexo por aí, pelo amor de Deus. Cada um tem a sua vocação, sabe? Cada um tem uma coisa que gosta de fazer […] As pessoas têm interesses. Que as pessoas tirem da prostituição um outro método de viver, juntar o que tiver que juntar de dinheiro para investir em uma carreira, em uma profissão que goste, é isso que eu penso.”
Para profissionais do sexo, a entrada no mundo de conteúdo sexual representa uma oportunidade de vida melhor e autonomia financeira. Com a digitalização do mercado do sexo, plataformas como OnlyFans e Privacy impõe novos desafios de exposição e saúde mental, demandando adaptações rápidas das profissionais e do público alvo. Nesse cenário, o setor segue se transformando, acompanhando a demanda na área da tecnologia e da economia digital.