Políticas Públicas

Cerca de 500 pessoas estão em situação de rua em Ribeirão Preto, segundo pesquisa realizada em 2023

No Brasil, são 221 mil pessoas sem moradia. O levantamento tem como base o CadÚnico (Cadastro Único Para Programas Sociais)

Gabie Sertório e Matheus Gumiero
28 de novembro de 2024
Cidadãos em situação de rua costumam ter cachorros que os acompanham, pois esses são os únicos afetos que têm

Quem são as pessoas que vivem nas ruas? O que as tira de suas casas, as afasta de suas famílias? No Brasil, são 221 mil pessoas vivendo em situação de rua, segundo pesquisa elaborada em 2023. São definidos assim, homens, mulheres, adolescentes e até crianças que têm como única garantia de sobrevivência as atividades produtivas desenvolvidas nas ruas, com os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e sem uma moradia regular. Os dados da pesquisa realizada pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania tiveram como base o CadÚnico (Cadastro Único Para Programas Sociais). 

Nesse estudo de julho de 2023, Ribeirão Preto conta com 526 pessoas vivendo nas ruas da cidade. Dessas, 88,97% são homens e 11,03% são mulheres. Sobre a classificação étnica, 60,08% são pretos e pardos, porcentagem que reforça o processo de exclusão social desses dois grupos populacionais.

Outro indicador bastante significativo também pode ser observado. A dado de que quase 100% sabem ler e escrever, o que indica que não foi a falta de escolaridade a causa do abandono, da fome, frio, doenças, sujeira e total exclusão e invisibilidade que esses sujeitos vivem. Sujos, maltrapilhos, muitos bêbados ou sob efeitos de drogas ilícitas e perigosas, eles e elas transitam, principalmente, em torno da rodoviária, do Mercadão, nas praças, calçadas e cantos escondidos da “Baixada”.

 Existem alguns motivos mais recorrentes que levam pessoas para a rua. Em 2007, o Ministério do Desenvolvimento Social realizou uma pesquisa entrevistando quem estava sem moradia e detectou que a maior parte, 35,5%, está nessa condição por conta de alcoolismo e/ou uso drogas. Em seguida, vem a desigualdade social extrema, agravada pela perda de emprego que colocou 29,8% de cidadãos na rua, na época.

No entanto, não há um perfil definido de quem são essas pessoas. O fato de a sociedade tratá-las como seres invisíveis prejudica ainda mais a emancipação desse contingente populacional. A negligência do Estado contribui para colocá-las nessa situação em que causam repúdio, afastando-as cada vez mais de quem elas já foram um dia: cidadãos e cidadãs com emprego, família e casa. 

Como reforça a professora Elizabeth Regina Negri, coordenadora do curso de Serviço Social da Universidade Ribeirão Preto (Unaerp), “existe um imaginário social de que é um grupo homogêneo e que todo mundo que mora na rua é igual. Porque, logicamente, é um ser invisível para a sociedade. Essas pessoas, cada uma tem uma característica que as levou a ficar nessa situação. Então, por isso, hoje a gente fala em pessoa em situação de rua.”

Os indivíduos que vivem às margens da sociedade brasileira só começaram a ser vistos há pouco tempo, em decorrência do Decreto 7.053, de 23 de dezembro de 2009, que institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua. Este decreto define essas pessoas como um grupo populacional heterogêneo que está na extrema pobreza, teve vínculos familiares desfeitos ou fragilizados e não tem moradia regular. Desta normatização também começaram a surgir as outras políticas públicas em vigor no Brasil, como por exemplo o Centro POP (Centro de Referência Especializado para Atendimento à População em Situação de Rua). Os Centros POP são um local que acolhe os que estão em vulnerabilidade social e oferecem abrigo, banho e comida.  O ideal proposto nas regulamentações seria um centro por município.

Instituto Simplesmente Amor, desde de 2014, distribui alimentos em Ribeirão Preto

Garantir e promover a cidadania e os direitos humanos é um dos princípios de políticas públicas como essa. No entanto, a professora Elizabeth explica que o Centro POP deve respeitar a vontade do indivíduo. Se ele não quiser ser ajudado, não há mais nada que se possa fazer. “Vem uma perua com três pessoas [profissionais de assistência social] para fazer uma abordagem com essa pessoa em situação de rua. Porém, se ela não quiser sair da condição dela, da rua, eles não fazem mais nada.” 

Essa recusa acontece por diversos fatores que vão muito além da condição e da história do indivíduo naquele momento. Silvio Henrique Mica, presidente da ONG ISA (Instituto Simplesmente Amor), que desde de 2014 distribui alimentos e realiza outras ações não somente para pessoas em situação de rua, diz que a burocracia é um dos maiores problemas para essa parcela da população. 

Existem limitações das organizações não governamentais que reduzem suas capacidade de apoio. A ISA, por exemplo, realiza campanhas solidárias para populações carentes. Em um dia de trabalho  da ONG, o presidente e outros voluntários entregaram 700 lanches em alguns pontos do Campos Elíseos, na Baixada e próximo à avenida Caramuru, no começo da Vila Virgínia. Algumas pessoas em situação de rua chegaram tarde, depois de terminada a entrega, e ficaram sem receber o alimento.  

Naquele momento, Silvio percebeu o desapontamento no rosto dessa equipe de reportagem que acompanhava  a ação.  Para tranquilizar os repórteres, explicou que, no início, ele ficava preocupado com quem não recebia a comida. Mas, depois de um tempo os voluntários aprenderam a focar naquele que estava comendo e não naquele que ficou sem.