Refugiados venezuelanos

Cacique narra porque sua etnia deixou a terra natal

Leonardo Couto, Nicolas Souza e Sergio Linhares
25 de novembro de 2024

“Na Venezuela, eu trabalhava com pesca.Também vendia mandioca, banana, redes de pesca, essas coisas. Quando era com  o [Hugo] Chávez, era tudo barato. Depois, quando entrou o [Nicolás] Maduro, aí entrou o dólar e mudou tudo”.

Nelson Antonio, cacique da etnia indígena Warao, vive em Ribeirão Preto há cinco anos. Aqui, junto com sua esposa e seus seis filhos, foi acolhido pela ONG Mudando Vidas, que lhes deu um lugar para morar. Eles, que dividem o espaço com outras famílias, têm o suficiente para sobreviver. Mas nem sempre foi assim.

Desde quando o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, assumiu o posto em 2012, Nelson tinha consciência de que tudo que vivera até ali,  mudaria para sempre. E mudou. Ele conta que antes, a vida no país comandada por Hugo Chávez, demonstrava ser mais segura e com algumas garantias.

Nelson Antonio viveu períodos de tranquilidade e incertezas antes de migrar para o Brasil

Antes de mudar para o Brasil, moramos muito tempo em La Baba. O governo de Chávez deu uma casa para cada Warao. Ele entregou 65 casas. Moramos lá por muito tempo. Quando Chávez morreu, assumiu Maduro, e ele não ajudou em nada. Com Chávez, era tudo barato. A comida era barata, o rádio, a televisão. E com o Maduro, o dólar entrou, e aí o dinheiro venezuelano começou a não valer mais nada, não conseguíamos comprar nada. Esse era o problema.

Outra situação preocupava Nelson: a saúde. Ele rememora a década de 1990, mais precisamente os anos de 1992 e 1993, período no qual uma epidemia de cólera assolou algumas regiões da Venezuela, matando mais de 500 pessoas, em sua maioria, Warao. A ausência de médicos nas áreas afetadas contribuiu para que a etnia fosse devastada nessa região. Curandeiros Warao, embora tentassem auxiliar no combate à doença, acabaram morrendo no processo por conta da infecção. “As pessoas tinham muita diarréia, dor de barriga, vômitos e viviam cansadas.”

A falta de dinheiro e, consequentemente, do acesso a uma alimentação adequada trouxe problemas característicos como desnutrição, cansaço extremo e morte. “As crianças passavam fome e muitos índios morriam. E foi aí que os índios começaram a correr para o Brasil.” O que preocupava ainda mais o indígena eram as doenças, devido à falta de medicamentos adequados para tratamento. Ainda no governo Chávez, Nelson comenta que o acesso a remédios, embora limitado, auxiliava no cuidado de eventuais enfermidades. Mas era preciso mais do que isso para melhorar a condição de vida dele e de seu grupo. Foi, então, que ele deu início à jornada rumo ao país. 

“Tivemos que caminhar durante seis dias para chegar à fronteira do Brasil, na cidade de Pacaraima. De lá, fomos até Boa Vista, onde ficamos por seis meses e, só então, seguimos para Manaus, onde pegamos um barco até Belém. Foram quatro dias e quatro noites para chegar até lá.” Depois do trajeto rigoroso, que exigiu vigor e disposição, Nelson percorreu o litoral brasileiro, passando pelo nordeste, centro-oeste até, enfim, chegar a Ribeirão Preto. Nelson diz ter sido bem acolhido na cidade, embora o idioma tenha sido a principal barreira entre seu povo e os ribeirão-pretanos. 

Em meio a tudo isso, Nelson Antonio não esconde o carinho que sente pelo país e pela cidade que o acolheu.“Queremos morar aqui para sempre. Não queremos ir para outra cidade. Estamos aprendendo a cultura daqui, as crianças estão indo para a escola, mesmo que seja muito difícil aprender o português.”