Ribeirão em chamas

Ribeirão Preto é o epicentro da crise climática em São Paulo

50% das cidades com maior incidência de queimadas no estado estão na região de Ribeirão Preto, segundo o INPE

Gabriel Correa e Guilherme Cardoso
28 de novembro de 2024
Queimada em canavial às margens da rodovia Anhanguera, na altura de Orlândia, em 30 de agosto de 2024 (Foto: Guilherme Cardoso)

Famosa pelo clima abafado, com sol quente e temperaturas na casa dos 40º, Ribeirão Preto agora, em 2024, atingiu nova fama: é o centro e principal polo das queimadas no estado de São Paulo.  No ranking das dez cidades paulistas mais afetadas pelo fogo, acidental ou criminoso, ao menos cinco são na região metropolitana de Ribeirão Preto. O dado é do BDQueimadas (Banco de Dados de Queimadas) do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

As cidades que registraram mais focos de incêndio no estado de São Paulo foram Altinópolis (114 focos), Pitangueiras (89), Olímpia (70), Sertãozinho (63) e Cajurú (62). Além das queimadas, moradores da macrorregião da “Califórnia Brasileira” também sofrem com o clima extremo, decorrentes da seca provocada pelos quase cinco meses sem chuvas, que derrubou a umidade do ar a patamares de deserto. 

O cenário apocalíptico vivido na cidade no dia 24 de agosto foi uma mostra assustadora do que a emergência climática pode fazer. Com incêndios de grandes proporções em toda a região, inclusive invadindo a área urbana, por volta das 17h20 o sol foi escondido pelas nuvens de fumaça e poeira trazidos pelo forte e quente vendaval.  

Canaviais e matas na zona rural queimaram, chegando às margens das estradas e interditando rodovias. Na cidade, um bairro do distrito de Bonfim Paulista teve residências ameaçadas. Uma quantidade imensurável de fuligem junto com poluentes foi jogada na atmosfera. O cenário de “fim de mundo” assustou.

Mas, até agora as causas dos incêndios, simultâneos, ainda não foram esclarecidas. Para Marcelo Pereira, professor doutor da área de educação ambiental da USP Ribeirão, “calor, seca e queimadas estão conectados”. Portanto, uma vez que o ecossistema está desequilibrado, a vegetação oferece condições propícias para o surgimento de queimadas. Mas, segundo o professor, existem queimadas naturais no cerrado, por exemplo. Essas surgem com os raios e precedem pancadas de chuva que apagam os focos pouco depois que se iniciam.

Para ele, além dos problemas decorrentes do clima e da  falta de arborização na cidade, Ribeirão sofre também com a falta de um planejamento agrícola digno e coerente. Segundo o professor, a monocultura da cana de açúcar é extremamente prejudicial para o equilíbrio ecológico e toda a região sente o impacto do agronegócio, “praticado de maneira agressiva e criminosa. Este é o maior problema”, afirma.

Em 8 de outubro, Ribeirão voltou a arder. Desta vez, não foram os focos de incêndio, mas  os índices de temperatura que chegaram a 40 graus celsius, com sensação térmica de 43ºC e umidade relativa do ar na casa de 13%, segundo dados da Rede de Meteorologia do Comando da Aeronáutica (Redemet). Esse índice, recorde no ano, superou o anterior, de 25 e 26 de setembro, que havia chegado à marca dos 39 graus. Algo preocupante e já alertado em agosto pela Organização Mundial de Saúde (OMS). No alerta, a entidade orienta que índices de umidade inferiores a 60% não são adequados para a saúde humana.

Segundo Pereira, o calor no interior de São Paulo segue a tendência de aquecimento global decorrente de séculos de processos de degradação ambiental e ausência de políticas públicas sistematizadas, firmes e preventivas.  O professor aponta que há um aumento de longos períodos de secas, seguido por chuvas intensas, alagamentos, enchentes, desmoronamentos e queda brusca de temperatura. Um exemplo foi a maior seca da história na Amazônia em agosto deste ano e chuvas torrenciais no deserto do Saara no mesmo período.

Somando todos esses argumentos, Marcelo Pereira conclui que as queimadas da região de Ribeirão Preto são mais “criminosas” do que algo circunstancial, já que programas governamentais que previnem ou reduzem o impacto do desequilíbrio ecológico são ainda praticamente inexistentes, pouco efetivos e não apresentam resultados de curto prazo. Ao contrário, o problema se agrava dia a dia. Desequilíbrios de sistemas ecológicos geram mais desequilíbrios. Um círculo vicioso no qual o planeta fica cada vez mais próximo de um fim catastrófico.