A ginástica artística no Brasil, especialmente entre crianças e adolescentes, ainda é amplamente associada ao gênero feminino. Essa percepção se reflete na participação de meninos no projeto “Salto para o Futuro”, em Ribeirão Preto, onde, dos 100 alunos matriculados, apenas três são meninos. Essa diferença mostra o impacto dos estereótipos de gênero, resultando no desinteresse de garotos por essa modalidade de ginástica.
As atletas Rebeca Andrade, Flávia Saraiva, Jade Barbosa, Julia Soares e Lorrane Oliveira brilharam em Paris ao conquistar a primeira medalha do Brasil na competição por equipe. Depois, o desempenho individual de Rebeca, que ganhou outras três medalhas, sendo duas de prata e uma de ouro, as atletas, também contribuiram para inspirar meninas de todo o país a ingressar na modalidade.
Apesar desse desempenho não houve influência sobre os garotos. A modalidade masculina continua enfrentando desafios para conquistar o mesmo nível de destaque e apoio. “O impacto positivo das mulheres é inegável, mas a falta de resultados expressivos no masculino nos últimos anos contribuiu para a percepção de que esse é um esporte predominantemente feminino”, comenta Anaí Lopes, coordenadora do projeto Salto para o Futuro, da Secretaria Municipal de Esportes de Ribeirão Preto. Segundo ela, a desclassificação da equipe masculina para os Jogos Olímpicos de Paris, por apenas 0,165 pontos, somada à ausência de figuras de destaque no esporte, enfraqueceu o interesse dos meninos pela ginástica.
Dentro do projeto, fundado em junho de 2022, a realidade é ainda mais dura. A evasão entre os meninos é alta. Mais de 70% desistiram ao longo do tempo, geralmente por se sentirem isolados em turmas majoritariamente femininas. “Muitos desistem porque são os únicos meninos na turma, ou o amigo acaba saindo e eles se sentem deslocados”, explica a professora, destacando os desafios sociais que esses garotos enfrentam. Essa solidão, junto com a pressão dos estereótipos de gênero, acabam afastando potenciais talentos.
FALTAM OPORTUNIDADES
Além disso, a falta de estrutura específica para a ginástica masculina em Ribeirão Preto também intensifica o problema. A cidade, que tem uma equipe de competição voltada apenas para a modalidade feminina, que conta com 150 alunas competindo, não oferece uma equipe masculina nem técnicos especializados. Isso cria uma barreira para o desenvolvimento de jovens promissores. Dois alunos do projeto, por exemplo, têm habilidades acrobáticas avançadas, como a capacidade de realizar sequências complexas de acrobacias, como o “rodante flic mortal” – uma combinação que envolve um giro com as mãos no chão seguido por um salto mortal no ar –, apesar de nunca terem recebido treinamento especializado. “O Enzo e o Gilberto têm um potencial incrível, mas faltam oportunidades para os meninos”, lamenta Anaí.
As diferenças entre a ginástica praticada por meninos e meninas também alimentam o imaginário de que são dois esportes distintos. Embora ambos realizem movimentos acrobáticos, a divisão de aparelhos e o estilo de treino tem suas diferenças. Meninos são tradicionalmente treinados em exercícios que exigem mais força bruta, enquanto as meninas focam mais na leveza e no controle. Essa diferenciação técnica, por mais que seja uma característica da ginástica artística, reforça a ideia de que o esporte “não é para meninos”, alimentando preconceitos.
Para mudar esse cenário é necessário não apenas investir em uma infraestrutura adequada para a prática masculina, mas também realizar campanhas de conscientização e combate a esses tabus de gênero. O esporte precisa ser apresentado aos meninos desde cedo como uma opção viável e não apenas restrita ao público feminino. Isso requer o envolvimento de escolas, famílias e também do poder público.
“Para ter um incentivo maior para os meninos, antes de tudo, uma quebra de paradigma com os próprios pais, avós, valores de famílias, para mostrar que ele pode dançar, ficar na ponta do pé, rodopiar, fazer pirueta, sem medo de ser homossexual”, enfatiza Anaí.
O futuro da ginástica masculina depende de uma mudança de paradigma que permita que os meninos vejam o esporte como uma oportunidade de desenvolvimento físico, mental e social, sem o peso de preconceitos. Com apoio, investimento e visibilidade, projetos como o Salto para o Futuro podem se tornar o trampolim para uma nova geração de atletas masculinos dentro da ginástica artística.