Refugiados venezuelanos

Um retrato dos indígenas Warao em Ribeirão Preto

Separados por quase 9 mil quilômetros, integrantes da etnia venezuelana enfrentam viagens exaustivas, falta de dinheiro, dificuldades com o idioma em busca de melhor qualidade de vida e, principalmente, escola para suas crianças

Leonardo Couto, Nicolas Souza e Sérgio Linhares
21 de novembro de 2024
Integrantes da etnia Warao vivem em Ribeirão Preto sob tutela da ONG Mudando Vidas

Quem transita por alguns semáforos de Ribeirão Preto se depara com mulheres imigrantes, com seus vestidos bem feitos e coloridos e suas crianças bem cuidadas. Venezuelanas, desconhecidas e envergonhadas, elas não passam despercebidas, mas são ignoradas pelos olhos desatentos na correria diária. São integrantes da etnia indígena Warao, originária da Venezuela. Mais de 8.400 quilômetros separam as terras ribeirão-pretanas de seu país natal.

Warao, traduzido a partir de sua língua materna, significa ‘povo da água’. A definição faz jus à história desse povo. Constituído há mais de oito mil anos – sendo o grupo humano mais antigo da Venezuela – a tribo se desenvolveu, geograficamente, num território que se estende por todo o estado de Delta Amacuro, parte do estado de Monaguas e Sucre, localizados no delta do rio Orinoco, na região Nordeste do país.

Dotados de costumes pautados na caça, pesca, práticas agrícolas, extrativismo e na produção de canoas, os Waraos concentram suas atividades de subsistência em áreas fluviais, marítimas e em regiões úmidas como pântanos e manguezais.

Séculos depois, devido à crise política e econômica, além de uma epidemia de cólera, os Warao se viram obrigados a deixar seus lares, parte de suas famílias e seus costumes para procurarem refúgio em outras localidades, como Colômbia e Brasil, chegando até Ribeirão Preto.  Atualmente, são 16 famílias refugiadas na cidade, abrigadas pela ONG Mudando Vidas, no prédio de uma antiga escola, no bairro Campos Elíseos.  Com 75 pessoas, incluindo 31 crianças e 12 jovens, a comunidade exige ações articuladas e especializadas que vêm sendo implementadas pela ONG. O objetivo é promover o acolhimento e a integração desses indígenas venezuelanos sem que percam suas raízes culturais.

O cacique Nelson Antonio  – nome adaptado ao espanhol – é uma dessas pessoas que encararam o desafio de cruzar a fronteira. Ao lado de sua esposa e de seus seis filhos, ele saiu do pequeno vilarejo de San Francisco de Guayo, no Delta Amacuro, cinco anos atrás, e deu início à odisseia até pisar em solo brasileiro.

Tivemos que caminhar durante seis dias para chegar à fronteira do Brasil, na cidade de Pacaraima. De lá, fomos até Boa Vista, onde ficamos por seis meses e, só então, seguimos para Manaus, onde pegamos um barco até Belém. Foram quatro dias e quatro noites para chegar até lá.

Seis meses na capital do estado de Roraima foram suficientes para entender que muita coisa viria pela frente. Durante esse período, Nelson e sua família foram abraçados pelas ruas. Sozinhos, sem dinheiro e sem falar o português, eles se viram obrigados a conseguir recursos para seguirem seu caminho.

“Eu e minha família, vivendo na rua, tivemos que pedir dinheiro às pessoas para  chegar de barco até Belém. Conseguimos arranjar o dinheiro e, então, chegamos ao ponto de travessia, onde pagamos R$ 250 [por pessoa] para o barco nos levar [ao destino]”.

Grande parte do trajeto até Ribeirão Preto foi percorrido pelo litoral do Brasil, passando por São Luís (MA), Fortaleza (CE), e Natal (RN). “Me recordo que, após sair de Natal, pegamos um ônibus até Goiânia, nossa última parada antes de chegar a Ribeirão Preto”.

As pessoas me perguntam: ‘por que vir para Ribeirão Preto?’. Bem, queríamos uma boa cidade para morar. Não só para nós, mas para as nossas crianças também, para que eles pudessem ir à escola. Isso nós conseguimos aqui.