EM MEIO À DOR, PESSOAS ADMIRÁVEIS

Profissionais de saúde superam a pressão e o desequilíbrio emocional para atender seus pacientes
por Otávio Gentil Mussolin

Com a chegada do coronavírus, a população do mundo inteiro trancou-se em casa, e passou a viver algo que só era visto em filmes e parecia inimaginável na vida real: uma pandemia. Com o surgimento do Sars-Cov II, um vírus desconhecido e que exige pesquisas científicas e respostas rápidas para que vidas sejam salvas, estratégias para evitar a transmissão foram implantadas, como por exemplo o isolamento social. Muitos países adotaram o lockdown total e, como visto, na maioria desses lugares essa estratégia tem dado certo. Porém, nem tudo se resolveu com essa solução.

A saúde mental de milhões de pessoas passou a ser mais uma questão de preocupação, trazendo à tona distúrbios como ansiedade, depressão, medo e pânico. Mas, e os profissionais da saúde, que não podem tirar folga e se fechar em casa? Além de trabalhar exaustivamente nesse um ano e meio de pandemia, tanto os que estão na linha de frente como aqueles que não lidam diretamente com pacientes de Covid são muito vulneráveis a sofrer desequilíbrio emocional.

Thais Forghieri, terapeuta ocupacional, que atua em uma unidade do CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), fala sobre a situação emocional que ela e seus colegas da saúde estão enfrentando. Além de trabalhar diretamente com pessoas com problemas de dependências químicas, os funcionários do CAPS relatam que, com a chegada da pandemia, tem sido frequente o afastamento de colegas de trabalho por motivos de saúde. Os que no trabalho acumulam tarefas e pacientes e são levados à exaustão.Tudo por causa da rotina apertada que se soma às crises de ansiedade e medo. Algumas unidades do CAPS perderam profissionais por desistências e a rotatividade alta nas equipes influencia diretamente no emocional dos que permanecem no trabalho.

Thais, terapeuta ocupacional do CAPS

Uma pesquisa da FGV – Fundação Getúlio Vargas, do Rio de Janeiro, entrevistou 1.829 profissionais de todo o Brasil que atuam na linha de frente contra a Covid-19. A maioria, 70%, ainda hoje, um ano e meio após o início da pandemia, não se sente preparada para lidar com a situação, não se considera capaz de fazer seu trabalho ou tem receio de contrair a doença.

O médico Eduardo Rocha, professor titular da Universidade de São Paulo, afirma que espaços nos centros de saúde hoje estão sendo focados unicamente para o cuidado da Covid. Além dessas alas que mudaram de foco, os profissionais de saúde relatam a dificuldade para conseguir insumos para tratar outras doenças, muitas vezes não podendo dar continuidade aos tratamentos por falta de remédios, produtos e até mesmo disponibilidade de vagas em hospitais. Essa situação tem até mesmo levado alguns profissionais a abandonar suas áreas de trabalho e migrar para outros estudos.

Dessa forma, os profissionais que não estão na linha de frente também sofrem o impacto, pois lidam com pacientes e acabam por vivenciar suas perdas, dores e problemas. A dentista Mariama Gentil atende pacientes, a maioria especiais, e acaba solidarizando-se com suas histórias e dificuldades. Por fazer parte do CEO (Centro de Especialidade Odontológico), a demanda dos pacientes antes da pandemia já era grande. Hoje, o centro mudou totalmente sua rotina para preservar seus profissionais, atendendo somente urgências e adotando medidas de segurança que inclui atender um paciente por vez, além de ter que esperar 30 minutos entre um e outro, para higienização das salas e equipos.

Mariama, à esquerda, fazendo uma cirurgia durante a pandemia

Alguns profissionais estão tão afetados emocionalmente que têm dificuldade de concentração ou alterações no metabolismo, como emagrecimento por falta de apetite.

Os atendimentos em saúde, especialmente emocional, que são possíveis por meios digitais, como apoios, psicoterapias, aulas de meditação e yoga são alternativas encontradas pelos agentes de saúde dessas áreas para que continuem trabalhando, sem colocar o paciente e a si próprio em risco.

Todos os profissionais de saúde, de todas as áreas, são mais imprescindíveis que nunca e a eles deve-se louvar. Não só aqueles que estão na linha de frente, mas também os que não desistiram de sua função para com a sociedade. Albert Camus, em seu livro A Peste, escreve: “Para dizer simplesmente o que se aprende no meio dos flagelos: há nos homens mais coisas a admirar do que a desprezar”. A pandemia prova que em meio à dor sempre há pessoas capazes de ações admiráveis.

 

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