O mundo convive, cada vez mais, com a preocupação intensa quanto à qualidade do ar e a emergência das mudanças climáticas. São fatos consequentes do uso contínuo e em massa de fontes de energias não renováveis e poluentes, como os derivados de petróleo, que se intensificam desde o período da Revolução Industrial. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 99% da população mundial respira ar que excede o nível de qualidade definido pela entidade, ou seja, que possuem níveis de materiais particulados fino (MP2,5), que causam problemas à saúde, acima de 5 μg/m3 (microgramas por metro cúbico). Como alternativa, o combustível conhecido como Hidrogênio Verde (H2V) vem se tornando o foco da chamada ‘Transição Energética’ e é cotado como o futuro da matriz energética mundial.
Devido a uma série de dificuldades relacionadas à questão energética, vem aumentando o interesse de países, em especial europeus, em recorrer a meios alternativos de combustível. “O mundo convive com problemas de falta de energia, sobretudo, desde a pandemia da Covid. Não obstante, existe um apelo forte pelo ESG (Governança ambiental, social e corporativa, traduzido para o português), principalmente em questões socioambientais que tanto preocupam”, comenta o economista José Rita Moreira, sobre a condição energética global nos dias de hoje.
Isso colocou o Hidrogênio Verde em uma posição de destaque no cenário mundial, que é alicerçada pela perspectiva internacional de que essa matriz possui aplicabilidade promissora e rápido crescimento em sua produção. De acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), o mundo deve produzir cerca de 49 Mtpa (milhões de toneladas por ano) de H2V para geração de energia limpa até 2030. Em 2023, foram produzidos por volta de 97 Mt dessa fonte de energia em todo o planeta, o que significa um aumento de mais de 2,5% em comparação ao ano de 2022. A expectativa é que a fabricação dessa substância mantenha a alta e se aproxime de 100 Mt até o fim de 2024.
O QUE É H2V?
Esse tipo de combustível diz respeito ao gás hidrogênio (H2) que é produzido, principalmente, a partir do processo conhecido como eletrólise da molécula de água (H2O), isto é a quebra desse composto em gás hidrogênio (H2) e gás oxigênio (O2) por meio de eletricidade. A alcunha de ‘verde’ fica por conta da fonte de energia utilizada para realizar esta quebra. “Chamamos de Hidrogênio Verde aquele que é produzido utilizando como forma de energia as fontes renováveis, por exemplo a solar, eólica ou a hidrelétrica. Ele é verde porque utiliza essas fontes de energia para fazer a eletrólise da água […], ou seja, sua produção tem baixa ou nula emissão de carbono e por isso que se fala que essa é uma fonte de energia limpa e sustentável”, explica o engenheiro eletricista e professor da USP Ribeirão Preto, Fernando Caneppele.
O Brasil é cotado como um dos principais produtores e provedores desse combustível. A abundância de fontes renováveis no país é atrativo e vantagem em relação a outros territórios, que podem ser utilizadas para realizar a extração da molécula de hidrogênio de forma limpa e em grande escala. Segundo um artigo publicado pela empresa global de consultoria de gestão, McKinsey & Company, sobre a perspectiva desse mercado, o Brasil tem a oportunidade de gerar uma riqueza de 15 a 20 bilhões de dólares em 2040 com o Hidrogênio Verde. A maior parte seria voltada para o mercado doméstico, entre 10 a 12 bilhões, e utilizada, em especial, pelo transporte de carga e na indústria.
LIMITAÇÕES DO HIDROGÊNIO
Apesar de ser visto como o ‘sonho de consumo’ da comunidade internacional para o futuro energético do planeta, há algumas limitações relacionadas à produção e ao armazenamento do hidrogênio que precisam ser superadas antes que ele se torne viável. Todo o processo para extrair sua molécula de outras substâncias implica em um grande gasto com energia para realizar essa quebra em grande escala, o que, por enquanto, torna sua produção inviável sem investimentos robustos. Os equipamentos para realizar esse processo também têm alto valor.
Outro ponto que impede sua viabilidade atualmente é a dificuldade de transporte. O gás hidrogênio é explosivo e corrosivo, por isso é preciso planejamento sobre quais materiais utilizar e como esse translado vai acontecer, para evitar tragédias com o combustível. “É necessário desenvolver novas tecnologias para garantir sua segurança e eficiência em larga escala”, explica o engenheiro químico e coordenador do curso de Engenharia Química da Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp), professor doutor José Guilherme Pascoal de Souza.
LIMITAÇÕES DO HIDROGÊNIO
Apesar de ser visto como o ‘sonho de consumo’ da comunidade internacional para o futuro energético do planeta, há algumas limitações relacionadas à produção e ao armazenamento do hidrogênio que precisam ser superadas antes que ele se torne viável. Todo o processo para extrair sua molécula de outras substâncias implica em um grande gasto com energia para realizar essa quebra em grande escala, o que, por enquanto, torna sua produção inviável sem investimentos robustos. Os equipamentos para realizar esse processo também possuem um alto valor.
Outro ponto que impede sua viabilidade atualmente é a dificuldade de transporte. O gás hidrogênio é explosivo e corrosivo, por isso é preciso planejamento sobre quais materiais utilizar e como esse translado vai acontecer, para evitar tragédias com o combustível. “É necessário desenvolver novas tecnologias para garantir sua segurança e eficiência em larga escala”, explica o professor e coordenador do curso de Engenharia Química da Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp), José Guilherme Pascoal de Souza.
Além disso, a fartura de fontes de energia renováveis à disposição não é uma realidade para a maioria dos países. Algumas nações apenas possuem, em abundância, matrizes renováveis que poderão ser direcionadas a esse fim. Ainda assim, “veja que são poucas as desvantagens, a maior parte de ordem econômica e da questão de desenvolvimento de materiais, mas é pouco, então é questão de investimento, se quisermos preservar o planeta”, salienta Fernando Caneppele.
PRODUÇÃO E UTILIZAÇÃO
A produção do hidrogênio está relacionada a processos químicos que buscam isolar sua molécula, representada como H, para que seja posteriormente utilizada na produção de energia, como gás hidrogênio (H2). O processo mais comum para extrair o hidrogênio é chamado de eletrólise, que pode ser descrito como a decomposição de uma substância em seus elementos básicos através de eletricidade. “O processo ocorre em uma célula eletrolítica, que consiste em dois eletrodos imersos na solução ou líquido a ser eletrolisado. Quando a corrente elétrica é aplicada, os íons positivos são atraídos para o cátodo (polo negativo), onde ocorre uma redução e eles ganham elétrons, formando moléculas neutras. Enquanto isso, os íons negativos são atraídos para o ânodo (polo positivo), onde ocorre uma oxidação e eles perdem elétrons. Esse processo pode ser usado para produzir metais a partir de seus minérios, ou para purificar soluções químicas”, destaca o engenheiro químico José Guilherme.
Esse processo não é novo, sendo utilizado pelo ser humano desde meados do século XIX, espalhando-se para diversas áreas com diferentes finalidades. José Guilherme esclarece que a eletrólise é um importante processo na indústria química e em outros meios para a produção de matérias como o alumínio, sódio, cloro, o próprio hidrogênio e uma série de outros recursos, além de ter aplicabilidade na medicina e em baterias recarregáveis. No caso do hidrogênio, a quebra mais comum é a da molécula de água (H2O), que pode ser vista no esquema.
Após esse processo, o gás hidrogênio pode ser armazenado e posteriormente utilizado para produzir energia por meio de sua queima. “A produção de energia a partir do gás hidrogênio ocorre através da reação de combustão, em que o hidrogênio é queimado na presença de oxigênio para produzir água e energia. A equação química para esta reação é: 2H2(g) + O2(g) → 2H2O(l) + energia. A energia produzida pode ser utilizada de diversas formas, como por exemplo alimentar um motor de combustão interna em um carro movido a hidrogênio, ou mesmo em processos industriais”, detalha José Guilherme sobre a forma como esse combustível é utilizado. O fato de ter como produto apenas a molécula de água (H2O) e energia atrai a atenção para esse combustível, uma vez que, não há nenhum poluente que seja proveniente do processo.
Essa fonte de energia possui, ainda, uma forma alternativa de ser utilizada que é por meio das células de combustível, aparato que se assemelha a uma pilha ou bateria em que os reagentes são injetados continuamente em seu interior onde ocorre uma série de reações que geram energia. “O hidrogênio […] pode ser utilizado em células de combustível para produzir eletricidade de forma mais eficiente e com menor impacto ambiental do que outras fontes de energia. Nesse processo, o hidrogênio é combinado com oxigênio para produzir água e energia elétrica, através de uma reação química que ocorre na célula de combustível”, conclui o professor da Unaerp.
VANTAGENS
O hidrogênio se destaca entre outras fontes de energia renováveis por sua versatilidade em ser produzido, visto que não está limitado apenas à presença de luz proveniente do Sol, como a energia solar, ou de correntes de vento, como a eólica. “Ele pode ser produzido a partir de fontes hídricas, biomassa e [outras] fontes renováveis. E, apesar de se poder usar o gás natural, etanol, metanol, metano, alga, bactéria, gasolina, diesel, com todos esses é possível extrair a molécula de hidrogênio (H2), o ideal é que se use água”, ressalta Fernando Caneppele.
O engenheiro aponta também que há estudos desenvolvidos pela Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade de Campinas (Unicamp), que apostam no etanol (C₂H₆O) para a extração da molécula de hidrogênio, devido à indústria consolidada desse combustível no país. Outro atrativo dessa matriz energética é o fato de não ser apenas funcional como um meio para produzir energia elétrica, mas também ser utilizada como combustível para sistemas de deslocamento.“É o que chamamos de alta densidade energética. Tendo essa qualidade ele é interessante para alguns modais de transporte, como o aeroviário, marítimo, terrestre, como trens e metrôs. A vantagem é que ele é limpo em relação aos outros mais tradicionais”, complementa o professor da USP Ribeirão.