Hidrogênio Verde o substituto para os derivados de petróleo

Fonte de energia renovável, não poluente e versátil é a aposta para um futuro energético mais sustentável
por Leonardo Sousa

O mundo convive, atualmente, com uma preocupação constante quanto a qualidade do ar e a iminência das mudanças climáticas. Isso é consequência do uso contínuo e em massa de fontes de energias não renováveis e poluentes, como os derivados de petróleo, que se intensifica desde o período da Revolução Industrial.  Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 99% da população mundial respirava, em 2022, ar que excede o nível de qualidade definido pela entidade, ou seja, que possuem níveis de materiais particulados fino (MP2,5), que podem causar sérios problemas à saúde, acima de 5 μg/m3 (microgramas por metro cúbico). Como alternativa, o combustível conhecido como Hidrogênio Verde (H2V) vem se tornando o foco da chamada ‘Transição Energética’ e é cotado como o futuro da matriz energética mundial.

Devido a uma série de dificuldades relacionadas à questão energética, nos últimos tempos, aumentou o interesse de países, em especial europeus, em recorrer a meios alternativos de combustível. “O mundo, atualmente, convive com problemas de falta de energia, desde a Pandemia da Covid, e a recente guerra na Ucrânia. Não obstante, existe um apelo forte pelo ESG (Governança ambiental, social e corporativa, traduzido para o português), principalmente questões socioambientais, que tanto preocupam”, comenta o economista José Rita Moreira sobre a condição energética global nos dias de hoje.

Economista José Rita Moreira analisa a viabilidade do Hidrogênio Verde no atual momento político-econômico.(Arquivo pessoal).

Isso colocou o Hidrogênio Verde em uma posição de destaque no cenário mundial, que é alicerçada pela perspectiva internacional de que essa matriz possui uma aplicabilidade promissora e um rápido crescimento em sua produção. De acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), o mundo deve produzir cerca de 16 a 24 Mt (milhões de toneladas) de H2V para a geração limpa de energia até 2030. Em 2021, foram produzidos por volta de 1 Mt dessa fonte de energia em todo o planeta, o que significa um aumento de mais de 10 Mt em cerca de uma década.

 

O QUE É?

Esse tipo de combustível diz respeito ao gás hidrogênio (H2) que é produzido, principalmente, a partir do processo conhecido como eletrólise da molécula de água (H2O), isto é a quebra desse composto em gás hidrogênio (H2) e gás oxigênio (O2) por meio de eletricidade. A alcunha de ‘verde’ fica por conta da fonte de energia utilizada para realizar esta quebra. “Chamamos de Hidrogênio Verde aquele que é produzido utilizando como forma de energia as fontes renováveis, por exemplo a solar, eólica ou a hidrelétrica. Ele é verde porque utiliza essas fontes de energia para fazer a eletrólise da água […], ou seja, sua produção tem baixa ou nula emissão de carbono e por isso que se fala que essa é uma fonte de energia limpa e sustentável”, explica o engenheiro eletricista e professor da USP Ribeirão Preto, Fernando Caneppele.

Fernando Caneppele, engenheiro eletricista e professor da USP Ribeirão, avalia o Hidrogênio Verde como uma forma de mantermos nossa sobrevivência no planeta. (Arquivo pessoal).

 

O Brasil é cotado como um dos principais produtores e provedores desse combustível. A abundância de fontes renováveis no país é um atrativo e uma vantagem em relação a outras nações, que podem ser utilizadas para realizar a extração da molécula de hidrogênio de forma limpa e em grande escala. Atualmente, o país possui uma capacidade total de geração de energia de 181,61 GW (GigaWatts) de potência somando todos os tipos de fontes, de acordo com o Balanço Energético Nacional de 2022. Esse número é menor que todo o potencial que o Brasil possui para a produção de energia eólica fora da plataforma continental (offshore), que é de 200 GW, o que reflete uma parte da capacidade que a nação possui e que poderia ser utilizada para produzir Hidrogênio Verde. “O potencial do Brasil é enorme, o país é muito rico, talvez o com maior potencial no mundo. Por isso, o país é visto com ‘bons olhos’. O mundo toparia importar o Hidrogênio Verde do Brasil porque sabe que aqui é produzido de maneira limpa”, fala Caneppele a respeito da condição do país em relação a essa fonte de energia.

Segundo um artigo publicado pela empresa global de consultoria de gestão, McKinsey & Company, sobre a perspectiva do país nesse mercado, o Brasil tem a oportunidade de gerar uma riqueza de 15 a 20 bilhões de dólares em 2040 com o Hidrogênio Verde, sendo a maior parte voltada para o mercado doméstico, entre 10 a 12 bilhões, a ser utilizada em especial pelo transporte de carga e na indústria. Outros 4 a 6 bilhões devem ser dedicados à exportação do produto e seus derivados para a Europa e para os Estados Unidos. O estudo aponta ainda que o custo do produto brasileiro será um dos atrativos que o deixará competitivo nesses locais em relação ao proveniente de outros países. 

 

LIMITAÇÕES DO HIDROGÊNIO

Apesar de ser visto como o ‘sonho de consumo’ da comunidade internacional para o futuro energético do planeta, há algumas limitações relacionadas à produção e ao armazenamento do hidrogênio que precisam ser superadas antes que ele se torne viável. Todo o processo para extrair sua molécula de outras substâncias implica em um grande gasto com energia para realizar essa quebra em grande escala, o que, por enquanto, torna sua produção inviável sem investimentos robustos. Os equipamentos para realizar esse processo também possuem um alto valor.

Outro ponto que impede sua viabilidade atualmente é a dificuldade de transporte. O gás hidrogênio é explosivo e corrosivo, por isso é preciso planejamento sobre quais materiais utilizar e como esse translado vai acontecer, para evitar tragédias com o combustível. “É necessário desenvolver novas tecnologias para garantir sua segurança e eficiência em larga escala”, explica o professor e coordenador do curso de Engenharia Química da Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp), José Guilherme Pascoal de Souza.

Professor e coordenador do curso de Engenharia Química da Unaerp José Guilherme Pascoal de Souza explica o processo de obtenção de energia a partir do Hidrogênio Verde. (Arquivo Pessoal).

 

Além disso, a fartura de fontes de energia renováveis à disposição não é uma realidade para a maioria dos países. Algumas nações apenas possuem, em abundância, matrizes renováveis que poderão ser direcionadas a esse fim. “Veja que são poucas as desvantagens, a maior parte de ordem econômica e da questão de desenvolvimento de materiais, mas é pouco, então é questão de investimento, se quisermos preservar o planeta”, salienta Fernando Caneppele.

 

PRODUÇÃO E UTILIZAÇÃO

A produção do hidrogênio está relacionada a processos químicos que buscam isolar sua molécula, representada como H, para que seja posteriormente utilizada na produção de energia, como gás hidrogênio (H2). O processo mais comum para extrair o hidrogênio é chamado de eletrólise, que pode ser descrito como a decomposição de uma substância em seus elementos básicos através de eletricidade. “O processo ocorre em uma célula eletrolítica, que consiste em dois eletrodos imersos na solução ou líquido a ser eletrolisado. Quando a corrente elétrica é aplicada, os íons positivos são atraídos para o cátodo (polo negativo), onde ocorre uma redução e eles ganham elétrons, formando moléculas neutras. Enquanto isso, os íons negativos são atraídos para o ânodo (polo positivo), onde ocorre uma oxidação e eles perdem elétrons. Esse processo pode ser usado para produzir metais a partir de seus minérios, ou para purificar soluções químicas”, destaca o engenheiro químico José Guilherme.

Esse processo não é novo, sendo utilizado pelo ser humano desde meados do século XIX, espalhando-se para diversas áreas com diferentes finalidades. José Guilherme esclarece que a eletrólise é um importante processo na indústria química e em outros meios para a produção de matérias como o alumínio, sódio, cloro, o próprio hidrogênio e uma série de outros recursos, além de ter aplicabilidade na medicina e em baterias recarregáveis. No caso do hidrogênio, a quebra mais comum é a da molécula de água (H2O) para a extração desse recurso, que pode ser vista no esquema abaixo.

Esquema do processo de eletrólise da água. (Reprodução/Revista de Ciência Elementar).

 

Após esse processo, o gás hidrogênio pode ser armazenado e posteriormente utilizado para produzir energia por meio de sua queima. “A produção de energia a partir do gás hidrogênio ocorre através da reação de combustão, em que o hidrogênio é queimado na presença de oxigênio para produzir água e energia. A equação química para esta reação é: 2H2(g) + O2(g) → 2H2O(l) + energia. A energia produzida pode ser utilizada de diversas formas, como por exemplo alimentar um motor de combustão interna em um carro movido a hidrogênio, ou mesmo em processos industriais”, detalha José Guilherme sobre a forma como esse combustível é utilizado. O fato de ter como produto apenas a molécula de água (H2O) e energia atrai a atenção para esse combustível, uma vez que, não há nenhum poluente que seja proveniente do processo.

Essa fonte de energia possui, ainda, uma forma alternativa de ser utilizada que é por meio das células de combustível, aparato que se assemelha a uma pilha ou bateria em que os reagentes são injetados continuamente em seu interior onde ocorre uma série de reações que geram energia. “O hidrogênio […] pode ser utilizado em células de combustível para produzir eletricidade de forma mais eficiente e com menor impacto ambiental do que outras fontes de energia. Nesse processo, o hidrogênio é combinado com oxigênio para produzir água e energia elétrica, através de uma reação química que ocorre na célula de combustível”, conclui o professor da Unaerp.

Esquema de uma célula de combustível. (Reprodução/USP).

 

VANTAGENS

O hidrogênio se destaca entre outras fontes de energia renováveis por sua versatilidade em ser produzido, visto que não está limitado apenas a presença de luz proveniente do Sol, como a energia solar, ou de correntes de vento, como a eólica. “Em relação a outros combustíveis ele pode ser produzido, como vantagem, a partir de fontes hídricas, biomassa e [outras] fontes renováveis. Apesar de se poder usar o gás natural, etanol, metanol, metano, alga, bactéria, gasolina, diesel, com todos esses é possível extrair a molécula de hidrogênio (H2), mas o ideal é que se use água”, ressalta Fernando Caneppele.

Ele aponta que no Brasil há estudos, desenvolvidos pela Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade de Campinas (Unicamp), que apostam no etanol (C₂H₆O), devido à indústria consolidada desse combustível no país como fonte viável para a extração da molécula de hidrogênio. Todas essas oportunidades de se produzir tal fonte de energia permitem o desenvolvimento de uma vasta rede de produção, a qual é dividida por cores. De acordo com sua produção, o hidrogênio pode ser classificado como verde, quando não há emissão de poluentes (água); azul, quando há emissão de poluentes, mas esses não são liberados no meio ambiente (combustíveis fósseis); cinza, quando poluentes são produzidos, porém não há sua captura (combustíveis fósseis); além do chamado hidrogênio musgo, feito a partir de biocombustível ou biomassa não havendo poluentes.

Outro atrativo dessa matriz energética é o fato de não ser apenas funcional como um meio para produzir energia elétrica, mas também ser utilizada como combustível para sistemas de deslocamento. “É o que chamamos de alta densidade energética. Tendo essa qualidade ele é interessante para alguns modais de transporte, como o aeroviário, marítimo, terrestre, como trens e metrôs. A vantagem é que ele é limpo em relação aos outros mais tradicionais”, complementa o professor da USP Ribeirão. A versatilidade de seus meios de produção e de utilização, além da possibilidade de ser produzido de forma limpa, sem nenhuma emissão de poluentes, são os fatores responsáveis por potencializar a expectativa para que essa fonte de energia seja o combustível do futuro e substitua as principais matrizes comumente utilizadas.

 

PERSPECTIVA

Segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM), em 2022, a temperatura média global aumentou cerca de 1,15°C em relação ao período pré Revolução Industrial. Até 2030 é esperado que alcance 1,5°C a mais. Tal situação preocupa toda comunidade internacional e acende o alerta de que mudanças são necessárias de imediato. O economista José Rita Moreira destaca que devido à instabilidade causada pelo caos da pandemia da Covid-19 e agora com a Guerra da Ucrânia a produção de Hidrogênio Verde teve um aumento no custo, mas é importante que continuem as pesquisas e investimentos. Desde 2017, a Associação Brasileira de Hidrogênio (ABH2) busca fomentar o desenvolvimento da cadeia de produção, armazenamento, distribuição e uso desse combustível, realizando parcerias com empresas. O governo também se movimenta e, em 2021, o Ministério de Minas e Energia (MME) lançou o Programa Nacional de Hidrogênio (PNH2) para estruturar um plano logístico.

“O mundo está demandando, a Europa está sinalizando, eles não têm condições de produzir os equipamentos nem o próprio hidrogênio nas quantidades que precisam e querem importar, mas desde que seja verde, e o Brasil tem essa possibilidade. A perspectiva é muito boa. Esperamos que ele deva se tornar uma das principais formas de combustível no futuro, eu espero sinceramente. Porque se continuarmos com os atuais níveis de emissão ficará bem complicado para nós”, comenta o engenheiro energético e professor da USP, Fernando Caneppele. 

No entanto, mesmo com essa mobilização inicial do Brasil, Caneppele aponta que o país já está ficando para trás no desenvolvimento da rede de utilização do hidrogênio. Isso porque, o Chile também vê a exportação desse combustível como um mercado promissor e tem criado políticas públicas voltadas para tornar o país uma liderança na exportação do Hidrogênio Verde. Uma ação de destaque nesse sentido foi a criação de um fundo de 300 milhões de dólares, pela ONG público-privada ‘Fundación Chile’, com o objetivo de investir no H2V. “O Brasil está perdendo tempo, o Chile não tem o potencial de energias renováveis que temos, mas eles estão se movimentando mais intensivamente para ocupar espaço na exportação do hidrogênio”, conclui o professor.

 

Gostou? Compartilhe com os amigos