O TikTok é cada vez mais popular na América Latina, e apenas no Brasil acumula 61,1 milhões de usuários ativos, segundo dados da pesquisa “Transformação Digital na América Latina em 2022”, produzida pelo Atlântico, site de dados sobre tecnologia. A plataforma já ultrapassou o número de usuários no Instagram, e atualmente é a rede social mais consumida pelo brasileiro. A média de horas semanais chega a 20 e, em se tratando de redes sociais no geral, o Brasil já consome mais do que a população da China e dos Estados Unidos.
Com crescimento vertiginoso, essa rede social de criação e produção de vídeos foi desenvolvida em 2016 pela empresa de tecnologia chinesa ByteDance. A plataforma começou a ser expandida internacionalmente a partir de 2018, e chegou ao Brasil no mesmo ano, após ser fundida com o aplicativo Musical.ly. Teve seu estopim no país em 2020, especificamente durante a pandemia, quando seus vídeos ainda possuíam duração de até um minuto.
Mídia frequentada massivamente por jovens e adolescentes, em que as produções variavam em entretenimento e danças replicadas dos Estados Unidos, com o passar dos meses, a plataforma foi se popularizando e alcançou novas faixas etárias. Essa mudança fez as produções ficarem mais diversas e sofisticadas. O que anteriormente era restrito a conteúdo jovial, passou a ser fonte de renda, revolucionou a produção de marketing, expandiu a divulgação de carreiras e intensificou a influência de profissionais através de vídeos interativos.
O Tiktok e as profissões A advogada Vanessa Paiva, especialista em Direito das Mulheres, é um exemplo disso. Hoje ela acumula 436,2 mil seguidores no TikTok e tem 7,3 milhões de curtidas, fruto da produção de vídeos que, segundo ela, ajudam a conscientizar e informar mulheres sobre os seus direitos em questões familiares.
“Comecei utilizando a plataforma para gravar vídeos aleatórios. Até que em agosto de 2020 eu quis passar uma mensagem para as mães, gravei um vídeo despretensiosamente e meu vídeo teve muitas visualizações“, conta. A partir da viralização na rede, a procura do escritório da advogada por clientes mulheres havia aumentado consideravelmente. Além disso, o alcance da rede levou o seu trabalho para fora do Brasil, conquistando clientes na Bélgica, Portugal, Londres, EUA, Canadá e Costa Rica.
Entretanto, apesar de todo o sucesso, a advogada reiterou que sofreu resistência por parte da advocacia ao começar na plataforma. Segundo a especialista, um professor de curso preparatório para o exame da OAB chegou a gravar alguns vídeos ironizando seu conteúdo. Esse material colocava em dúvida a sua atuação como advogada.
“Eu nunca retruquei. Sempre tive um pensamento de que fazer o certo é tão bom, que implica em não ter que dar satisfações a ninguém. No mais, eu sempre levei conteúdo técnico com objetivo de informar, não de captar clientes, ou seja, eu sempre estive dentro do permitido pelo Código de Ética e Disciplina da OAB, dentro do que permite o provimento 205.”
Com esse “boom” de informações e novos conteúdos, o TikTok segue influenciando a comunicação no País, indo além dos profissionais e chegando até às instituições brasileiras. Assim, tribunais como STF, TRE-PR e a TV Senado entraram no jogo e hoje possuem perfis ativos na plataforma, produzindo conteúdos diários que viralizam.
O Tiktok e as instituições
De acordo com Rubiane Barros, coordenadora de comunicação do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE/PR), o intuito de expandir a comunicação do Tribunal na plataforma chinesa foi o combate à desinformação. O perfil criado em 2020, buscava desmentir fake news sobre as campanhas eleitorais, em especial a do mesário voluntário. “Como estávamos em pandemia da Covid-19 havia o receio de proliferação de desinformação eleitoral com a consequente queda do número de pessoas para atuar como mesários e mesárias.”
Dados da assessoria mostram que com dois meses de criação a conta no TikTok já ultrapassava 5 mil seguidores e mais de 1 milhão de visualizações, o que motivou a equipe a explorar essa nova forma de comunicação popular, direta, curta e ágil, mesclando entretenimento com informação.
“O crescimento foi muito rápido porque os jovens interagiram muito com nossa página e se sentiram acolhidos com uma comunicação na linguagem que eles usam no cotidiano e com a identificação das trends e das estagiárias que passavam conteúdo eleitoral num formato descontraído, com dublagens, dancinhas e tutoriais de como tirar o título pela primeira vez”, explica Rubiane.
Criação de conteúdo
Ainda não se sabe exatamente como os algoritmos da plataforma agem para viralizar os conteúdos. Assim, ser criativo e despertar o interesse dos usuários torna-se um desafio diário, sendo o alcance das produções postadas um mistério.
Vanessa explicou que para alimentar o conteúdo de seu perfil no TikTok, grava os vídeos após o expediente, utilizando o que suas clientes vivenciam (sem identificar as partes), como forma de exemplos reais na prática. “Tudo é extraído da vida real. Situações que eu já vivi na área da família e situações que minhas clientes vivem. Também respondo as dúvidas que me mandam no TikTok, e as melhores eu transformo em vídeo. Tudo, absolutamente tudo, sou eu que faço, desde a ideia até à edição final.”
Já o TRE/PR tem seu conteúdo produzido pela assessoria de comunicação do Tribunal, que realiza reuniões diárias para indicação e aprovação de pautas. Os temas escolhidos são os mais relevantes da semana, que estejam em discussão na Justiça Eleitoral, e tenham relação com democracia e cidadania. De acordo com a coordenadora Rubiane, os vídeos são postados de segunda a sexta-feira, gravados no próprio celular e quase não requerem edição.
“Para que tenham engajamento com o público é necessário que estejamos diariamente na rede TikTok para vermos o que está em alta na plataforma e como o público se comporta com os conteúdos ali postados. É necessário ter capacidade criativa, mas acima de tudo, vontade de produzir comunicação pública acessível com linguagem simples e dinâmica. E tem que ter motivação diária com foco no cidadão e nas inovações trazidas pelas redes sociais, misturando a coragem e entusiasmo pelo que se faz”, explica.
Análise
Sobre a influência da plataforma no país, o professor João Flávio Almeida, pós-doutor em Linguística, Letras e Artes pela Universidade de São Paulo (USP), pondera que, apesar de todo o sucesso, o TikTok segue paradigmas já estabelecidos anteriormente como a prevalência da comunicação por audiovisual, aonde cada vez há menos texto e mais imagens multimidiáticas. Segundo ele, essa forma de produção fomenta para que a informação seja efêmera e curta. “Esse cenário contribui para um mundo onde, individualmente, a informação tem cada vez menos valor.”
O professor ainda reforça que a rapidez da plataforma, põe em jogo a própria veracidade da informação e sua importância. Para João Flávio, em uma plataforma como o TikTok, onde existem tantos conteúdos velozes, a notícia verdadeira acaba sendo posta em igualdade com um meme, por exemplo, que se dissipa tão rápido como um conteúdo valioso. “A informação nunca valeu tanto e tão pouco ao mesmo tempo. (…) Se a nossa subjetividade for construída dessa forma, teremos impactos não só no mundo profissional, mas em toda a sociedade”, conclui o professor.