Tropeços e Desigualdades: Problemas do Ensino Médio no Brasil

Sem mudanças, alunos que frequentam escolas públicas, terão prejuízos no futuro, dizem especialistas
por Vítor Baptista

O ensino médio corresponde ao último ciclo escolar para os alunos brasileiros antes da vida adulta e é etapa obrigatória para os que pretendem cursar o ensino superior. Para ingressar na faculdade e buscar profissionalização, projeto de vida e ascensão social, jovens e suas famílias se esforçam muito no ensino médio em busca de garantir uma vaga, sobretudo, em universidades públicas. Para milhões, esta é a única possibilidade de ascender financeira e socialmente. “Subir de vida”, como se diz.

Atualmente, segundo o Censo Escolar de 2021 existem sete milhões de estudantes cursando o ensino médio no Brasil, sendo 82% nas escolas públicas e 18% nas particulares. A evasão é das mais altas, como apontam os dados da pesquisa “Combate à evasão no Ensino Médio: desafios e oportunidades”, da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan SESI), meio milhão de jovens com mais de 16 anos abandonam os estudos anualmente. Entre os alunos mais pobres, somente 46% concluíram o ensino médio, dos quais a maioria absoluta sai das escolas públicas. Por necessidade de trabalhar para ajudar nas despesas de casa ou por desinteresse, já que os atrativos fora da escola aparentam ser bem mais interessantes, os alunos desistem. Os filhos das classes mais abastadas seguem em frente e conquistam vagas nas melhores universidades do país, seu futuro será brilhante, enquanto o jovem pobre, periférico, na maioria negro ou pardo, fica relegado ao seu círculo cada mais empobrecido e explorado.

A falta de preocupação com os alunos é um agravante para a piora dos índices de evasão escolar.
(Getty Images/ novaescola.org.br).

Para mudar esse cenário, os especialistas concordam que há necessidade de reformular totalmente o ensino médio no Brasil, porém, o Novo Ensino Médio, que seria integralmente implantado neste ano de 2023, tropeça nos mesmos erros cometidos anteriormente. Segundo o historiador e mestre em Educação pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP/USP) José Faustino, um dos erros é a falta de escuta aos educadores na tomada de decisões para políticas educacionais. “Essa falta de escuta e de diálogo vem acontecendo a cinquenta anos no Brasil, virou uma mentalidade tratar a educação com a não escuta de quem está na base, e isso é muito grave.”

 

José Faustino, historiador e mestre em educação, avalia a necessidade de alterações no ensino brasileiro. (Reprodução/arquivo pessoal.)

 

O educador Paulo Freire alertava que o Brasil tem um ensino depositário, onde mais se fala do que se escuta. Segundo Fabiana Souza Ferreira, geógrafa e professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP), o ensino depositário realmente é um problema educacional. “As disciplinas não dialogam entre si. Enquanto o aluno está no momento ‘A’ em Matemática, o professor de Física está no momento ‘B’, então ele não consegue interligar esse conhecimento, as disciplinas precisam dialogar entre si e ao mesmo tempo.” A especialista reforça que a escola não instiga o senso crítico do aluno. “Eu preciso fazer com que esse conhecimento surja do aluno, isso precisa ser estimulado.”

Fabiana Ferreira, geógrafa e professora do IFSP, critica o ensino depositário aplicado nas salas de aulas do país.(Reprodução/arquivo pessoal.)

INVESTIMENTO EM EDUCAÇÃO

Segundo dados do Instituto de Estudos Socioeconômicos ˜Siga Brasil˜, os gastos com a educação foram os menores da década, tendo, anualmente, uma diminuição de recursos entre 2017 e 2022. A verba destinada para 2022 foi de R$ 118,4 bilhões de reais, 6 bilhões a menos do que foi destinado no ano de 2021. Ao serem questionados sobre a necessidade de mais recursos para qualificar a rede de ensino nacional, os especialistas concordaram com o fato.

Para ambos, essa falta de recursos é um dos grandes desafios enfrentados pelo ensino brasileiro. “O Brasil quer fazer uma educação boa e barata e isso é impossível, não tem como você educar o jovem e o adolescente gastando o menos possível, isso é caro, não existe educação boa e barata em lugar nenhum do mundo”, afirma Faustino. Fabiana ressalta que é importante pensar na estrutura presente nas escolas nacionais, principalmente as da rede pública. “Eu estudei em uma escola pública com 48 alunos em uma sala de aula; precisamos de um ensino médio com estrutura e equipamentos.”

Um levantamento realizado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) constatou que o país apresenta um dos menores investimentos por aluno no ensino público em comparação aos demais países membros da organização. No ensino médio, o investimento anual por estudante é de 4 mil dólares, enquanto no restante dos membros é de 10 mil. Os valores levam em conta o poder de compra de cada moeda, e não a taxa cambial.

 

ENSINO INTEGRAL

Em 2018, o MEC repassou recursos para 18 estados visando incentivar a implantação do ensino médio em tempo integral. A ideia era combater a evasão escolar presente principalmente nos dois últimos anos do colegial. Esse é o período em que muitos jovens entram para o mercado de trabalho, principalmente os mais carentes. De acordo com os especialistas consultados, para adotar o ensino em tempo integral é preciso ter um plano que seja atrativo justamente para esse jovem. 

Dados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), de 2017, mostram que no país 44% dos jovens brasileiros de 15 e 16 anos trabalham. Pesquisas da OCDE, classificam o Brasil como o sexto país do mundo com o maior número de adolescentes inseridos no mercado de trabalho.

 “O aluno vai ficar mais tempo na escola, mas ele precisa trabalhar, pagar as contas. Vamos dar uma bolsa para ele então, pode ser de um salário mínimo, meio salário, você vai ganhar para ficar na escola”, argumenta o professor José Faustino.

A professora e geógrafa comenta que é necessário analisar o contexto socioeconômico dos alunos. “Primeiro é preciso fazer um recorte social. Qual é a realidade do Brasil? Aos 13 anos de idade eu já precisava trabalhar para ajudar em casa. O adolescente de 16 anos já precisa trabalhar. Eu não posso ignorar esse aluno.”

 

NOVO ENSINO MÉDIO

A última grande reforma da educação ocorreu em 2017, no governo do presidente Michel Temer, ganhando o nome de Novo Ensino Médio. Feita por uma medida provisória, essa reformulação mudou a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e como principal mudança acrescentou à grade escolar os itinerários formativos. Essa modalidade permite que o aluno escolha entre cinco áreas de conhecimento para aprofundar seus estudos: Linguagens e suas Tecnologias, Matemática e suas Tecnologias, Ciências Humanas e Sociais Aplicadas e Ciências da Natureza e suas Tecnologias ou Formação Técnica e Profissional. Ao optar por um itinerário, o aluno automaticamente perderia o contato com as matérias dos itinerários não escolhidos. As únicas matérias presentes em todas as cinco opções são Matemática, Português e Inglês. 

Com previsão de início em 2022, o novo formato de ensino gerou críticas entre especialistas e estudantes. Uma dessas foi a precoce decisão que os adolescentes teriam que tomar ao escolher a área de atuação que iriam focar. Fabiana enfatiza que essa escolha pode ser prejudicial. “O ensino médio é o momento de formação do aluno, é base, e na base não se escolhe setores. O aluno do ensino médio precisa de todas as ciências.” 

Outro ponto de debate é a não obrigatoriedade das escolas possuírem todos os cinco itinerários em sua grade. Segundo o MEC, a escola nacional tem a obrigatoriedade de oferecer a seus alunos no mínimo duas áreas de conhecimento. Dessa forma, caso o estudante queira estudar uma área que não esteja presente em sua escola, ele precisará procurar uma outra instituição para estudar. Além disso, existem municípios brasileiros com uma única escola em seu território, esse jovem teria que se deslocar a uma cidade vizinha para conseguir acesso às disciplinas de sua preferência.

 

PROJETO DE VIDA

Outra novidade trazida pela nova BNCC foram as aulas de ˜Projeto de Vida˜. O ˜Projeto de Vida˜ não é uma matéria específica, mas um conjunto de matérias que tem o intuito de preparar o aluno e traçar planos para sua vida adulta, cabendo a cada rede de ensino escolher em que temas focar e qual será o profissional escolhido para ministrar as aulas, não existindo um professor ou formação específica para ministrá-la. A disciplina pode ser incluída tanto nas 1.200 horas da formação geral quanto nas 600 horas dos Itinerários Formativos, conforme as decisões de cada escola.

A principal crítica entre especialistas e alunos foram as matérias sugeridas em Projeto de Vida nos colégios públicos, entre eles, ˜Brigadeiro Caseiro˜, ˜Mundo Pets S.A˜. e ˜Arte de Morar˜, ˜O que Rola por Aí˜, ˜Quitutes da Nossa Terra˜. A maioria desses conteúdos foram sugeridos em escolas do Rio de Janeiro. Faustino argumenta que essas disciplinas só contribuem para o distanciamento entre as escolas públicas e privadas. “Esse do brigadeiro virou meme, tem outro em Brasília que se chama Educação Financeira: Seja um milionário. Muito rapidamente o jovem começa a perceber que isso não faz sentido. Todos os jovens do Distrito Federal serão milionários? Muito rapidamente, o jovem percebe que isso é uma perda de tempo.” O educador ressalta, ainda, que a disciplina só favorece o distanciamento entre a rede pública e particular. “Enquanto o aluno da escola privada vai aprender propedeuticamente a passar no vestibular, o filho do pobre vai ficar seis meses aprendendo a fazer brigadeiro.”

Protesto de alunos pedindo a revogação do novo ensino médio. (Ed Alves/CB/DA.Press/correiobraziliense).

NOTÓRIO SABER

Outra mudança que desagradou especialistas foi a possibilidade dos chamados profissionais de notório saber assumirem o papel dos professores. Os profissionais mencionados têm conhecimento e formação em áreas específicas que se relacionam com as disciplinas escolares, mas não possuem formação pedagógica. Por exemplo, um engenheiro poder lecionar matemática e um jornalista poder lecionar Português. Fabiana argumenta que mesmo que esse profissional tenha conhecimento em uma determinada área, ele não é professor, não teve formação pedagógica para lidar com uma sala de aula e tirar dúvidas dos alunos “Ser professor, além de ser uma arte você precisa ter uma formação geral pedagógica e dentro da ciência que você resolveu trabalhar. Fica difícil, o MEC está dizendo que eu não preciso das licenciaturas.”

Faustino relembra que quando jovem teve um professor de Matemática que na realidade era um engenheiro. “Ele não gostava de ensinar, as aulas dele eram horríveis. Ele não tinha nenhuma pedagogia, explicava uma vez e se você perguntasse uma dúvida ele explicava mais uma vez do mesmo jeito que tinha explicado a primeira vez. Então eu fui acumulando várias dúvidas.”

Mesmo após pressão popular, o Ministério da Educação optou por não revogar o Novo Ensino Médio e sim suspendê-lo, planejando realizar mudanças em seu formato para aproximá-lo da realidade dos estudantes. A abertura de uma consulta pública promete ouvir a opinião de pedagogos e jovens para construir o novo formato de ensino, o que não ocorreu em 2017.

 

COMO MELHORAR

Para melhorar a qualidade do ensino médio nacional, o Brasil precisa fazer mudanças estruturais na mentalidade educacional, resolver problemas históricos, tornar a escola atrativa para o estudante e, principalmente, diminuir a desigualdade entre as redes de ensino. 

O ensino médio é a porta de entrada dos jovens para a vida adulta e é importante incentivar seu protagonismo. “O jovem está louco para sair, para disputar, para se desafiar e conhecer coisas novas”, argumenta Faustino.

Além disso, na opinião do especialista, a construção de um novo currículo escolar deve levar em conta a importância da convivência entre os alunos e o ambiente escolar, para tornar atrativo aos jovens, fazendo com que percebam que aquele pode ser um local prazeroso e inclusivo.

Fabiana usa o exemplo do Instituto Federal onde trabalha para mostrar que eles conseguiram construir um ambiente acolhedor para os estudantes. Ela lembra que o Instituto não possui inspetores, que não existe um sinal para a troca de aulas, e os alunos têm liberdade para levar suas sugestões e questionamentos para a coordenação. “Eu acho que o que falta na educação brasileira é olhar o aluno como um ser humano, o aluno não é um número. Nós precisamos falar menos e ouvir mais do nosso aluno”.

A melhoria escolar passa também pela valorização dos professores. Fabiana ressalta que é necessário melhorar a condição de trabalho dos docentes, principalmente os da rede pública. “Um professor do estado precisa dar 40 aulas para sobreviver. Esse professor precisa de um plano de carreira, com um número menor de aulas e tempo para a elaboração dessas aulas”. 

O reajuste salarial dos docentes em 2023 foi de 15%, passando de R$ 3.845,63 para R$ 4.420,55. Uma pesquisa realizada pela OCDE em 2021, mostrou o Brasil com o menor piso salarial de professores entre os 40 países membros, ficando atrás de países latino-americanos com economias menores que a brasileira, como Colômbia, Chile e México.

Greve de professores reivindicando melhores salários. (imagem enviada pelos manifestantes ao Diário da Capital/diariodacapital.com).

Gostou? Compartilhe com os amigos