Existem inúmeras formas de redescobrir o amor: a descoberta de um parceiro (a) que desperta um sentimento diferente, o nascimento de uma criança ou quem sabe até a chegada de um animal de estimação. Para Antônio Muniz, a redescoberta aconteceu de forma inusitada e incomum. No auge de seus 70, 80 ou talvez 83 anos, idade não confirmada pois ele foi registrado anos após seu nascimento, foi encontrado em uma casinha no meio do mato em situação de abandono em Barrinha. Mal sabia ele que, mesmo com sua resistência, esse seria seu renascimento.
“Eu gosto de todo lugar que estou, eu não faço mal para ninguém. Eu não mando as pessoas dizerem nada, eu vou lá e falo”, disse Antônio, conhecido por ser um homem religioso, bravo, insistente e desconfiado. Com seu 1,60 de altura, é capaz de te olhar de cima a baixo e perguntar o que quer com ele. De antemão irá dizer que é da paz, mas que não quer que ninguém mexa em suas “coisinhas”. Assim era a vida dele em um sítio afastado em Barrinha. Morava sozinho, sofria com alcoolismo e tinha Mal de Parkinson e Câncer de Pele ainda não diagnosticado. Ele passou por todos os estágios das doenças em silêncio, não frequentava hospital e ai de quem o questionasse sobre isso.
No final de outubro de 2018, durante a bebedeira, Antônio desmaiou. Nesse momento, a assistente social de Barrinha entrou em contato com Débora Calia, uma enfermeira dona de uma casa de acolhimento particular em Ribeirão Preto.
“Uma criança é bem recebida, é esperada pelos pais. Ela tem o berço, as roupinhas novas, tem um acolhimento fantástico. As pessoas não estão preparadas para receber um idoso. Eles tem uma história de vida, batalharam a vida toda, e no momento mais frágil da vida deles, eles precisam ser cuidados”, explica a enfermeira.
“Eu estava bêbado. Um homem colocou porcaria na pinga e tornou a me dar. Não sei se foi veneno ou o que foi, sei que eu não sentia nada. Na verdade, me deu uma dor no peito e eu me deitei e fiquei sem fala”, contou o idoso, embargado ao choro.
Embora poucos o considerasse rude, a vizinhança o adorava. Levavam comida e o orientavam sobre os riscos que seu vício na bebida poderia causar, conselhos que entravam por um ouvido e saiam pelo outro. Alguns chegaram a encaminhar a situação do idoso abandonado para a assistência social, que começou a ficar alerta com o velhinho que precisava de cuidados.
“Morei 50 anos no meu antigo sítio e sempre pagando aluguel. De tantos anos que eu morava lá a mulher já não queria receber o aluguel, porque a casa já era minha. Tinha muita gente em volta da cidade, mas eu morava sozinho”, relatou Antônio sobre sua estadia em Barrinha.
Débora não pensou duas vezes antes de acolher o homem desamparado. Levou-o para sua clínica e lá ele permanece devido aos cuidados necessários.
Antônio não aceitou bem a ideia de ser tirado as forças de seu lar, dividir casa e ser apresentado a pessoas que nunca viu na vida. O homem teve seus momentos de revolta, mas hoje entende que a aproximação foi para um bem maior.
“Uma vez o levei no banco para fazer senha de letra. Logo, ele começou a gritar que eu estava tentando roubar a aposentadoria dele, todo mundo ficou olhando. Ele se sentiu roubado, ele achou que não tinha mais o poder de cuidar das próprias coisas. Hoje ele entende que é para comprar remédios, roupas, coisas para o bem-estar dele”, conta Débora.
Na juventude, Antônio roçava mato, trabalhava nas fábricas das cidades vizinhas, cortava cana, cuidava de animais entre tantas outras atividades que, segundo ele, ficaria dias contando detalhadamente suas ocupações. Ele tem um filho no Mato Grosso do Sul, o qual perdeu o contato logo nos primeiros anos de vida, mas que sente muita falta.
Curado do alcoolismo, com a doença de Parkinson controlada com coquetéis de remédios, em fevereiro de 2019 descobriu que estava com câncer de pele, a “doença ruim” para os mais antigos. O processo de aceitação foi doloroso e ele prefere não comentar sobre o tema.
Isolado e encontrado em situação de miséria, o homem com pouco mais de 80 anos ainda passará por mais uma etapa de construção em sua vida. Débora terá que entrar com pedido de curatela na justiça, quando um adulto fica responsável pelos cuidados necessários ao idoso. Segundo a lei, Débora se tornaria uma cuidadora secundária da saúde e dos bens de Antônio. A mulher relatou que não medirá esforços ao zelar pelo bem-estar de seu filho.
Enquanto o processo está em andamento, sobra para Antônio Muniz desfrutar da nova família e da redescoberta do amor tardio.