Para pedagoga, 2020 não foi um ano perdido

Apesar de dificuldades no acesso às aulas virtuais, Elaine Assolini analisa que perdas educacionais no período da pandemia podem ser recuperadas nos anos seguintes
por Lauani Meira
Segundo Elaine Assolini, a pandemia fragilizou ainda mais as relações dos estudantes com a escola

A pandemia do novo coronavírus evidenciou as fragilidades da sociedade em diferentes áreas e o setor educacional não foi uma exceção. Enquanto alguns continuaram com os estudos no ambiente virtual sem grandes dificuldades, outros não tiveram as mesmas condições. Segundo a pesquisa TIC Educação 2019, realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (CETIC), divulgada em junho deste ano, 39% dos estudantes de escolas públicas não têm computador ou tablet em casa, o que impossibilita o acesso aos conteúdos on-line, que têm substituído as aulas presenciais.

Docente da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (USP), Elaine Assolini coordena o Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Alfabetização, Leitura e Letramento (Gepalle). A pedagoga discute em entrevista o futuro da educação pública e as maneiras de garantir que todos tenham acesso ao ensino diante da nova realidade.

Você considera que para a educação pública, 2020 foi um ano letivo perdido?
Apesar de todos os problemas, eu diria que não. Nós tivemos alunos que abandonaram a escola, desistiram em função dos inúmeros problemas, como a falta de acesso à internet, a um computador, mas por outro lado, nunca houve por parte das escolas tanto empenho e mobilização para trazer esses alunos de volta. Muitos estudantes se dispersaram, mas as escolas públicas também se sensibilizaram ainda mais sobre a importância do seu papel junto às famílias. Aqueles que abandonaram, além da questão gravíssima da pandemia, geralmente já não tem uma relação na qual a escola tem um grande valor, entendida como um direito, um bem social e não reconhecem que é por meio dela que o sujeito pode aprender a ler, a escrever e a interpretar. Já existiam relações frágeis com a escola e a pandemia fragilizou ainda mais essas relações. O que as escolas e as políticas públicas podem fazer para 2021? Trabalhar com as famílias, as associações de bairro, os líderes comunitários, para trazer esses estudantes de volta.

As perdas da educação pública deste ano podem ser recuperadas nos anos seguintes ou serão um prejuízo educacional?
Entendo que não pode ser considerado um prejuízo educacional ou algo que o estudante não vai conseguir recuperar. Vamos imaginar que em julho de 2021, boa parte da população esteja vacinada e as aulas possam ser retomadas presencialmente em agosto. Cabe ao professor continuar de onde o aluno parou. Se ele não foi alfabetizado, vamos alfabetizar. Se não consegue assimilar os fatos históricos e suas versões, vamos partir daí. Se a escola e os professores mantiverem essa linha de pensamento de que ocorreram perdas irrecuperáveis e danos irreparáveis, já vão olhar para esse aluno como um perdedor, o que não pode acontecer. Se as vacinas chegarem ou se houver outras possibilidades, vamos olhar para o estudante no momento que ele está, porque ele não está adquirindo saberes escolares, mas também não está surdo ao que está aí. Essa criança está ligada, ouvindo o pai, a mãe, os vizinhos falarem, escutando a televisão em um determinado momento.

Quais são os principais desafios do ensino público para 2021?
Um dos principais desafios é a escola estabelecer laços mais estreitos com os pais, as comunidades e os alunos. Se um aluno abandona os estudos, é uma violência para a escola, para a família e para a sociedade, pois nós temos um ensino público gratuito e obrigatório. Então é preciso estar ligado nesses estudantes, cada diretor atento a sua comunidade. O segundo desafio é muito complexo, porque eu penso que o ensino híbrido, em que há uma parte virtual e outra presencial é o que vai acabar vingando até o primeiro semestre do ano que vem. É preciso manter o distanciamento e as salas de aula não foram projetadas para isso. Até mesmo nas escolas particulares há um aluno atrás do outro, nas públicas você tem salas lotadas. O ensino híbrido tem suas consequências, pois é difícil para o professor dar uma aula presencial e essa mesma aula ser transmitida on-line. São procedimentos e didáticas diferentes. Se configurar o ensino híbrido, vai ser bastante desafiador para os professores.

Como seria a nova escola nessas condições?
A escola precisa ser aparelhada, com os mais diferentes recursos tecnológicos. Se hoje a escola pública fizer isso, estará correndo atrás de muitas escolas privadas que conseguiram fazer as adaptações sem tantos traumas, porque já vinham investindo nos dispositivos tecnológicos. O professor também precisa ser formado para trabalhar com as tecnologias. Muitos deles sofreram muito para lidar com o virtual, porque de uma semana para outra, todo mundo precisou a aprender a fazer reunião via Google Meet ou Zoom. O professor precisa estar aberto a essa pluralidade de recursos tecnológicos que existem e dos quais ele pode se valer. É necessário ter um investimento agora na formação de professores. Prefeitura que não investe nessa formação, está fadada a não nutrir esses professores, não permitir que eles aprendam.

No ensino híbrido, como garantir que todos tenham acesso à educação?
Políticas públicas marcadas pela seriedade poderiam fazer o que foi feito em alguns países, e nem são os mais ricos. Se é necessário um notebook, então vamos oferecer para todos os estudantes. Para os professores também, porque tem o outro lado. Trabalhar em casa exige que você tenha câmera, microfone e fone de ouvido. O que outros países fizeram? Ofereceram esses dispositivos e o Estado de São Paulo poderia oferecer também notebooks, internet gratuita para todos os alunos e professores.

As políticas públicas precisam ser de âmbito federal. Se elas não nascem do âmbito federal, precisam nascer no âmbito estadual e municipal. Devem ser políticas que cuidam, constroem, investem no professor, nas famílias e no aluno. Elas precisam lidar com todos esses sujeitos simultaneamente e quem evidencia esse dado são pesquisas científicas. Não adianta investir só no aluno e não investir no professor, ou só investir no professor e não investir no aluno.

Gostou? Compartilhe com os amigos