A pasteurização da música

por Hugo Luque

Em um mundo dominado por gravadoras musicais – ainda que atualmente menos do que há 20 anos, por exemplo – e  por seletos grupos de artistas há anos, a luta dos músicos independentes pelo espaço nas casas de show se torna cada vez mais importante, por mais que as redes sociais, especialmente as que trabalham com vídeos curtos, como o Instagram, o Tik-Tok e o Youtube, tenham ajudado desconhecidos a alcançar a fama. Sim, existe a produção dos criadores de conteúdo, como os membros da Jovem Dionísio, tornem-se os músicos do momento. Contudo, o processo tradicional continua sendo mais confiável e produzindo em qualidade.

Dentro da dura e mais comum busca do caminho rumo ao estrelato e do lançamento de novas ideias autorais está a remuneração adequada. Essa é a luta travada há muito tempo por quem não tem as grandes empresas e os grandes negócios com os empresários e seus selos. Como mostra a reportagem publicada na Revista Buzz de 2022, sobretudo com os relatos do guitarrista Guilherme Sircili, da banda Canaviera, viver das notas musicais em Ribeirão Preto é tarefa das mais difíceis, uma verdadeira escala que passa por “dó” e parece estar sempre “lá” longe. Não bastasse isso, ainda soma-se o famoso “couvert” que fica para o estabelecimento, de forma a enganar o consumidor e a prejudicar o músico, e a pouca oferta para quem está criando. A criação, em suma, não é valorizada, pois busca-se mais a cópia, o sósia, o cover que vai trazer meia dúzia de entusiastas de um determinado estilo musical, mas que só querem conversar e beber uma cerveja. O cover e o couvert suprimem a criatividade de quem quer expressar-se e ter sua voz ouvida, além de unir tribos, movimentar os, de fato, fãs e trazer um respiro ao mundo.

O problema do contratado é mais conhecido, mas pouco é comentado sobre as dificuldades enfrentadas pelos donos dos estabelecimentos que compram ou querem, eventualmente, comprar a briga dos músicos autorais: os contratantes. É difícil criar as canções, mas também é muito complicado abrir um espaço para que essas canções sejam divulgadas. A luta exige das duas partes, mas enquanto uma produz cada vez mais, a outra é cada vez menos comum: as casas de show e os bares abertos a repertórios inteiros ou em maioria autorais. Chega de cover. Chega de música repetida. Em tempos tão sombrios, o mundo precisa de novas vozes e essas vozes precisam de espaço, porque deixar de falar e cantarolar ninguém jamais vai querer. Cansados, os artistas estão desistindo, enquanto outros estão se reunindo nas entranhas das grandes cidades, em grupos cada vez mais unidos, porém com um som, misterioso e ironicamente, mudo. Emicida, Titãs, Anitta, Djonga, Capital Inicial e todos os outros que chegaram lá: abracem quem está chegando agora, invistam em arte nova, em espaços novos e, principalmente, na luta contra a pasteurização do mundo pelo celular.

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