A desigualdade social é uma realidade encontrada por todo o mundo, seja ela econômica, racial, de gênero ou regional. No Brasil, país forjado sobre pilares estruturalmente exploratórios e segregacionistas, não é preciso lupas, nem mesmo análises extraordinárias e complexas para enxergar, a olho nu, os rastros da desigualdade nos mais variados cenários. Como ramificações de ervas daninhas, o alastrar da disparidade social no país pode ser sentido, ouvido, degustado, visto e tocado.
No cheiro do esgoto a céu aberto que corta as vielas da periferia, no choro da criança que pede por um alimento que os pais não podem comprar, no amargo sabor de infância perdida sentido quando se prova balas vendidas por crianças nos semáforos, na visão de filas de pessoas em portas de açougues em busca de restos de carnes e ossos, ou nos calos nas mãos de quem tem a enxada como ferramenta de trabalho, a desigualdade se faz presente.
Ela também pode ser percebida quando se compara as realidades de vida de milhões de brasileiros que apesar de dividirem o mesmo solo e céu, não gozam dos mesmos direitos, oportunidades, tampouco privilégios. Segregados por linhas imaginárias, os indivíduos são afastados para as margens das cidades onde, por muitas vezes, se fixam em lares desprovidos de quaisquer condições mínimas de conforto, segurança e infraestrutura. É no Brasil que 58,7% da população vivem em situação de insegurança alimentar, com mais de 33 milhões de pessoas passando fome, segundo pesquisa do Instituto Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan). Em contrapartida, é também no Brasil que a soma do patrimônio de 238 bilionários chegou perto de ultrapassar o Produto Interno Bruto (PIB) do Chile, de acordo com dados do Banco Mundial referentes ao ano de 2020.
Esses e outros dados fazem o Brasil entrar na lista dos países mais desiguais do mundo, já que é aqui onde os 10% mais ricos recebem quase 59% da renda nacional total, ganhando até 29 vezes mais do que cerca de 50% dos mais pobres, segundo levantamento realizado pelo World Inequality Lab (Laboratório das Desigualdades Mundiais) em 2021. Em meio a essa realidade influenciada por fatores como desemprego, inflação, instabilidades comerciais, exploração de mão de obra, perda do poder de compra e desigualdades sociais em suas formas mais genuínas, brasileiros enfrentam o castigo de Sísifo e tentam suportar, diariamente, o peso de transportar ao alto da montanha a pedra da sobrevivência, mesmo sabendo que ao final do dia verão essa mesma pedra rolar ladeira abaixo em um ciclo sem previsão de chegar ao fim.